Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado ao Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina,
como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito.
Dedico este texto às gerações que puderam um dia usufruir
de uma ponta pública, do Recife ou do Coral, desfrutando de seus saborosos pés
de goiaba, araçá e pitanga, à sombra dos exóticos eucaliptos, majestosos
prendedores de pandorga. Um ir e vir popular, democrático, festivo e familiar,
nos jogos de futebol, nos piqueniques, nas pescarias, nos mergulhos do trapiche
e dos castelos de areia, ou da simples e aprazível contemplação do pôr do sol. Dedico
à esperança de que um dia tudo seja revivido e que novas gerações também possam
ocupar este pedaço de terra na polis,
perdido no mar.
agradecimentos.
Agradecimentos:
Ao meu pai, José Olímpio, in
memóriam, pela oportunidade de caminhar, desde os primeiros passos, em uma
cidade com poucas cercas e muros, que junto de minha querida mãe, Izolina,
apresentou-me ao mundo, legando valores éticos que hoje resultam em minha
grande fortuna.
A minha esposa e meu filho, Patrícia e Gabriel, pela
compreensão e ajuda emocional nesta incansável lavratura do texto, onde o calo
aperta na cabeça e no coração.
Ao orientador, advogado Alexandre Evangelista Neto, pela
atenção, sensibilidade e profissionalismo, que mais uma vez deu provas de que a
docência é vocação e disciplina.
Aos sete irmãos e irmãs, pela lembrança das brincadeiras de
criança em quintais públicos, testemunhas vivas de um saudoso tempo.
Ao deputado Padre Pedro, com quem tenho a honra de trabalhar,
pelo exemplo de trabalho em favor do interesse público na Assembleia
Legislativa de Santa Catarina.
À professora Andréia Cosme e à bibliotecária Tatyane Barbosa
Philippi, pela diligente e especial dedicação dispensada.
Ao arquiteto e urbanista Loureci Ribeiro e ao ambientalista
Lúcio Dias, e em seus nomes, todo o coletivo de “ponteiros e ponteiras”,
integrantes do Movimento Ponta do Coral 100% Pública.
A todos(as) que não poderei aqui nominar, por ausência de
espaço, no papel e na memória, pela motivação direta e indireta na escolha do
tema desta pesquisa, agradeço em nome dos(as) seguintes amigos(as): Alzemi Machado; Anilse Slongo Seibel; Ataide
da Silva; Carmem Fossari; Cleber R. de Paula; Clair Castilhos; Edson Wolff;
Elísio Farias; Fernando C. Correia; Gerson Backer; José Carlos da Silva; Lino
Perez; Luiz Fernando de O. Carvalho; Mauro Passos; Mauro Prezotto; Nildomar
Freire; Renata Rebelo; Ricardo Baratieri; Silvio de Souza; e Tico Lacerda.
In memóriam, saudosamente
agradeço: ao professor Etienne Luz, pelo exemplo de persistência que
transformou-o em principal personagem do Parque da Luz, em Florianópolis; ao
professor e ex-vereador Oswaldo Maciel, que pioneiramente pensou e defendeu a
instalação do Museu do Mar na Ponta do Coral; ao professor e desembargador Victor
José Sebem, pelas aulas e pelos didáticos cafezinhos adoçados com assuntos
diversos, como este que agora trabalhamos; e ao colega de infância, Alex
Martins da Silva, que pode aproveitar o livre ir e vir à “Standa”, nas partidas
de futebol do “campo da primeirinha”.
Enfim, a todos (as), o meu cordial, sincero e respeitoso
agradecimento.
Resumo:
O
presente trabalho monográfico utilizou o método dedutivo, bibliográfico e
documental. A pesquisa percorreu aprofundadamente, a partir do Direito Público,
com viés administrativista, a possibilidade da anulação do ato de alienação do
imóvel, denominado Ponta do Coral, na capital de Santa Catarina, que ingressou
no patrimônio do Estado, adquirido por compra autorizada pelo Poder Legislativo
Estadual, com a Lei nº 2.166, de 23 de novembro de 1959, destinado ao uso especial
do Abrigo de Menores, instituição pública de educação e assistência a menores
carentes, administrado pela Fundação Catarinense de Bem Estar do Menor -
FUCABEM. Este bem público, por meio do Decreto nº 11.708, de 29 de julho de
1980, expedido pelo Executivo Estadual, baseado na Lei nº 5.704, de 28 de maio
de 1980, autorizou a FUCABEM a vender a área, com 14.950,71 m², à iniciativa
privada, sem a devida desafetação, conforme previsão constitucional, estadual e
federal, daquele período. Ademais, a própria Lei nº 5.704/80, disciplinava
apenas casos de alienação de imóveis não afetados, além de prever a outorga da
concessão de direito real de uso, instituto desconsiderado na operação. O
regime jurídico dos bens públicos confere a estes máxima proteção, expressada
na (in)alienabilidade, ou alienação na forma da lei, imprescritibilidade,
impenhorabilidade e, não onerabilidade, não importando para a aplicação dessas
regras protetivas a natureza ou afetação do bem. Destarte, a presente pesquisa
apontou o flagrante vilipendiamento de um dispositivo constitucional, inerente
à autonomia dos poderes, que no caso concreto dispensou a consulta e a
autorização do Poder Legislativo. A partir dos parâmetros aqui levantados e
estudados, da localização dos limites e dos efeitos criados pelo ato alienante,
sustentou-se que se tratou de um ato nulo, e como tal, com efeito ex tunc. Por conseguinte, referida
anulação resulta na reversão do bem público Ponta do Coral ao patrimônio do
Estado de Santa Catarina. O Direito Administrativo baseia seu regime jurídico
específico no fundamento de interesse público, que é concebido como supremo e
indisponível. Este fundamento deve ser relativizado para guardar conformidade
com o modelo constitucional democrático e social adotado pelo Estado
brasileiro, nos termos da CRFB/1988, pautado nos princípios republicanos, na
garantia dos direitos fundamentais e, na Dignidade da Pessoa Humana. Este
périplo em torno da área da Ponta do Coral, que iniciou diretamente há 35 anos,
resultou numa verdadeira teratologia jurídica, na qual se vitimou o cidadão,
que deixou de ver assegurado o direito ao uso de importante área verde em
aglomerado urbano, quando seria imperativo garantir o direito fundamental de
convivência humana na polis.
Palavras-chave: Ato Nulo. Autorização Legislativa. Interesse
Público.
sumário
Ciente
do caráter científico do presente trabalho, onde prevaleceu a postura crítica,
racional e intuitiva, refletidas na focalização da abordagem, com o rigor da
análise, na fundamentação e na sistematização do conteúdo, o bacharelando se
permitiu descrever o ponto de partida motivador da escolha do tema pesquisado:
sua experiência de usuário cidadão, desde a infância à adolescência, de um bem
público, hoje privado, conhecido por Ponta do Coral. Revela-se esta condição por duas certezas. A
primeira, de que a pesquisa não foi prejudicada por eventuais contaminações
emotivas ou ideológicas; a segunda, de que seria impossível escrevê-la, com
tanta diligência e especial zelo, se a motivação não estivesse positivamente
contaminada pela história e pela humanidade, vivenciadas in loco, por muitos anos.
O tema escolhido, cuja delimitação está no regime jurídico dos
bens públicos, do direito brasileiro e da Constituição do Estado de Santa
Catarina, tem sua relevância sustentada na importância jurídica, sócio espacial
e política, inserido num grande debate polêmico e atual, acerca do uso e da
titularidade de um pequeno imóvel, localizado na parte insular de uma grande
cidade. O método de procedimento adotado foi o monográfico, que obedeceu a
critérios técnicos de pesquisa dedutiva, bibliográfica e documental.
Outrora conhecida por Ponta do Recife, a Ponta do Coral, situada
num local extremamente valorizado pelo mercado imobiliário, na Baía Norte da
Capital de Santa Catarina, há muito tempo é motivo de polêmica e litígio, bem
antes de estar rodeado pelos atrativos mercadológicos. Um problema vivo e latente, polemizado
há trinta e cinco anos, curiosamente antecipado por acontecimentos da década de
trinta do século passado, quando o local já foi palco de confrontos jurídicos,
na esteira da discussão do interesse social, entre Poder Público e a iniciativa
privada, quando a empresa estadunidense Standard Oil Company of Brasil ali se
instalou, para armazenar produtos combustíveis. Em virtude de temidas explosões,
o Poder Público Municipal resolveu proibir a atividade, quando se iniciou uma
pendência jurídica, resultando no abandono da atividade empresarial e na venda
do imóvel para o Estado, em 1959, por autorizada aquisição pelo Poder
Legislativo Estadual, para uso de uma instituição pública, voltada ao serviço
de educação e assistência a menores carentes.
Ao ingressar no domínio público, a Ponta do Coral permaneceu
como área de uso especial até 1980, quando foi vendida por meio de decreto do
Executivo Estadual, sem que tivesse obtido uma expressa e específica
autorização legislativa, conforme previsão do art. 53, VI, da Constituição
Estadual de 1967, em vigor naquele período, quesito previsto e respectivamente
recepcionado nas constituições estaduais catarinense, desde a instauração da
república, assim como nas constituições federais, estas desde o período
monárquico.
Portanto, a presente pesquisa trata do possível
vilipendiamento ou não de um dispositivo constitucional inerente à autonomia
dos poderes, que no caso concreto dispensou a consulta e a autorização do Poder
Legislativo em relação à alienação daquela área. E, neste sentido, os problemas
formulados foram: Qual a caracterização dos bens públicos? Os bens públicos
podem ser alienados? A Constituição do Estado de Santa Catarina, em 1980,
permitia a alienação de bens públicos de uso especial? A venda de uma área
pública para a iniciativa privada, pelo Governo do Estado de Santa Catarina, em
1980, sem a anuência do Poder Legislativo, é um ato nulo? O bem denominado Ponta
do Coral pode ser considerado bem público? Este imóvel pode ser revertido à sua
condição original a qualquer tempo, desde que provado o ato nulo de sua
alienação?
Para dar conta da problemática, os itens capitulares seguiram
a candência fundamentadora e propositiva, a partir do Direito Público, expondo
a doutrina administrativista do solo pátrio, a partir de nossos (as) grandes
juristas e dos princípios do Direito Administrativo.
Assim, no segundo capítulo, fez-se uma digressão à
contribuição de alguns pensadores clássicos da filosofia sobre o conceito de
interesse público, dialogando com a doutrina administrativista brasileira a sua
indisponibilidade e supremacia.
No terceiro, aprofundou-se
análise do regime jurídico dos bens públicos, na continuação dialógica entre os
doutrinadores, sobre os princípios administrativistas, abordando, além da
conceituação e classificação dos bens públicos, os institutos dos bens
públicos, como a afetação, a inalienabilidade, a imprescritibilidade e a
não-onerabilidade.
No quarto capítulo, fez-se
um estudo resumido sobre a situação político jurídica, no contexto
constitucional do período republicano brasileiro, e o levantamento de dados
geográficos, históricos e fundiários da Ponta do Recife (Ponta do Coral).
Finalmente, no quinto capítulo, focou-se na resolução da
problemática do tema inserido neste caso concreto, a partir do aprofundamento
da análise jurídica da legislação que deu suporte ao ato administrativo que
alienou a Ponta do Coral, em 1980, à iniciativa privada, para então inferir se
esta venda pode ser admitida como um ato nulo ou não, assim como a sua reversão
ou não ao patrimônio do Estado de Santa Catarina.
No presente capítulo, de
forma bastante resumida, sistemática, contudo reflexiva, apresentar-se-á o
assunto interesse público comportando algumas controvérsias
jurídicas e inquietações intelectuais diversas, sobretudo entre alguns clássicos
do pensamento filosófico. Quando focado nas
premissas da supremacia e da indisponibilidade, o interesse público apresenta
ainda maior divergência doutrinária. Porém, percebera-se questões consensuais,
especialmente entre os doutrinadores contemporâneos administrativistas, que
mais adiante serão reabilitadas para qualificar o cerne do presente trabalho
acadêmico.
É majoritário o entendimento
de que os princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público
são basilares do regime jurídico-administrativo, como admitem Diógenes
Gasparini (2012) e Celso Antônio Bandeira de Mello (2004), de forma que os
demais princípios da administração pública, aqueles 11 arrolados no artigo 2º
da Lei nº 9.784/99 (legalidade, isonomia, impessoalidade, moralidade,
eficiência, motivação, publicidade, devido processo legal, razoabilidade,
proporcionalidade e segurança jurídica), resultam do desdobramento dos dois:
Trata-se de
verdadeiro axioma reconhecível no moderno Direito Público. Proclama a
superioridade do interesse da coletividade, firmando a prevalência dele sobre o
particular, como condição, até mesmo, da sobrevivência e asseguramento deste
último. É pressuposto de uma ordem social estável, em que todos e cada um
possam sentir-se garantidos e resguardados. (MELLO, 2004, p. 60).
Este axioma, que reserva à
supremacia e à indisponibilidade do interesse público a condição basilar aos
demais princípios, coloca a Administração Pública - representante dos
interesses da coletividade - em um patamar superior aos interesses
particulares.
A seguir, em uma espiada na
história, constatar-se-á a recorrência com que teóricos colocam o interesse
individual na contramão do interesse público. Já outros afirmam que interesse
público é uma espécie de soma dos interesses individuais. Será igualmente trabalhado o tema a partir de
entendimentos que privilegiam os direitos fundamentais, assim como a vida do
indivíduo, em detrimento de um interesse público indeterminado, que não pode
ganhar contornos absolutos.
Muito antes de vigorar a racionalidade moderna, o interesse
público é motivo de especulações filosóficas e políticas, no qual o binômio
particular x público manifesta-se no cume de uma angústia inconciliável.
Considerando-se o período da
antiguidade greco-romana, observa-se a origem de uma supremacia do interesse
público, tendo no bem comum um referencial de interesse geral, diverso dos
interesses individuais, mesmo que distante do campo jurídico administrativo.
(PIETRO, 2010, p. 86).
Segundo o doutrinador
catarinense José Sérgio da Silva Cristóvam, Aristóteles contribuiu com a sua
concepção de bem comum destacando “a convivência humana na pólis como uma
condição inerente e natural aos seres humanos, [...] somente a convivência na polis poderia conduzir os homens ao bem
supremo, que é a felicidade alcançada por meio da vida digna (vida boa). ”
(2015, p. 320).
A filosofia greco-romana,
com seus conceitos encantadores, que somente por distração intelectual deixa-se
de se considerar que o interesse público e sua supremacia – naquele período –
estavam encarnadas na figura do imperador, do monarca, que era o próprio
Estado.
Bem mais adiante, a partir
do século XVII, outros importantes pensadores pavimentaram pensamentos rumo à
noção acerca do interesse público, como Montesquieu e os contratualistas
Hobbes, Locke e Rousseau.
Charles Louis de Secondat,
conhecido por Montesquieu, o arquiteto da divisão do poder público em três
poderes, ao tratar da educação na república, definiu o patriotismo como um ato
penoso de renúncia que o indivíduo faz a si próprio. O patriotismo,
fundamental para o alcance do interesse público, significa:
amor às leis e à Pátria. Este amor, reclamando
contínua preferência do interesse público sobre o seu próprio, dá todas as
virtudes particulares a; elas não são senão essa preferência mesma. Esse
amor está particularmente ligado às Democracias. Só nelas o Governo é
confiado a cada cidadão. Ora, o Governo é como tudo no mundo: para
conservá-lo, precisa amá-lo. Nunca se ouviu dizer não amassem os reis a
Monarquia, e que os déspotas odiassem o Despotismo.Tudo depende pois de se
estabelecer esse amor na República. E a Educação há de estar atenta em
inspirá-lo. (MONTESQUIEU, 2008, p.115).
Em sua teoria, a forma de
Governo superior podia ser ensinada e transmitida. O povo aprenderia, pela
educação, o exercício da cidadania a partir do amor aos valores públicos e
superiores.
Já os contratualistas deixaram suas marcas
conceituais, cada um concluindo peculiar e diferente entendimento.
Thomas Hobbes, por exemplo, atribuiu ao
soberano “a alma pública, que dá vida e movimento ao Estado, a qual expirando,
os membros deixam de ser governados por ela tal como a carcaça do homem quando
se separa de sua alma”. (1988, p. 199).
O autor do Leviatã entendeu
o homem afastado de seu estado de natureza, o lado sombrio e perverso de sua
indisciplina, se submetendo ao poder do monarca, para que seu interesse
particular se funda ao interesse comum, bem representado na monarquia.
John Locke, que teceu importantes pensamentos
que formaram bases às democracias liberais, divergindo do monarquismo
hobbesiano, colocou o interesse público submetido à individualidade, como forma
de proteger a propriedade. Para ele, a atividade legiferante tem o objetivo “de
regular e conservar a propriedade, e de utilizar a força da comunidade para
garantir a execução de tais leis e para protegê-la das ofensas externas. E tudo
isso visando só o bem da comunidade. ” (2010, p. 14).
Porém, o pensador
Jean-Jacques Rousseau, um dos expoentes mais proeminentes do pensamento
moderno, defendeu uma solução diferente para a vontade particular na vontade
geral, que:
pode dirigir
as forças do Estado de acordo com a finalidade de sua instituição, que é o bem
comum, porque, se a oposição dos interesses particulares tornou necessário o
estabelecimento das sociedades, foi o acordo desses mesmos interesses que o
possibilitou. O que existe de comum nesses vários interesses forma o liame
social e, se não houvesse um ponto em que todos os interesses concordassem,
nenhuma sociedade poderia existir. (1987, p. 43).
Quando admitiu que os
interesses particulares ensejaram a vida social, o filósofo recepcionou a
vontade geral originada no ambiente dos particulares. Esta vontade geral,
entendida como interesse comum ou público, para o autor Do Contrato Social, é a
expressão inalienável da soberania. Para este contratualista a vontade pode ser
geral, do povo, ou de apenas uma parte. Quando geral, é um ato de soberania e
de lei. Quando é apenas mera vontade de
uma parte, aí é particular ou decorre de um ato de magistral, decretada. Destaca
a vontade geral possível, sem a unanimidade, mas certamente respaldada na
manifestação majoritária, como fruto do assentimento legítimo de uma disputa.
Para Rousseau, somente o interesse público governa, e a coisa pública algo
representa.
Este pensador deixou legado
importantíssimo em diversos campos, notadamente na política, na qual se destaca
a sua contribuição teórica para a Revolução Francesa, tendo, ainda, influenciado
diversos juristas.
Voltando ao século XX,
percebe-se ainda a continuidade reflexiva do binômio público x privado, de onde
se origina o interesse público, como em Hans Kelsen (1998), para quem a simples absolutização do
contraste entre público e privado, causaria uma falsa ideia de que apenas no
direito público ocorre a chamada dominação política:
[...] toda
esta oposição entre o político e o privado não existe no domínio do direito
subjetivo, que os direitos privados são direitos políticos no mesmo sentido em
que o são aqueles que assim costumam ser designados, porque uns e outros, se
bem que por forma diferente, detêm uma comparticipação [...] na dominação
política. (p. 313-314).
Portanto, Kelsen, que faz referência à
política de forma ampla, se referindo ao político propriamente dito e ao
público, destaca um status especial da influência do direito privado nos
assuntos do direito público.
O interesse público, segundo
Celso Antônio Bandeira de Mello (2004) é uma categoria contraposta ao interesse
pessoal, privado. O interesse do todo “não se confunde com a somatória dos
interesses individuais, peculiares de cada qual.” (p. 50). Mas também o
interesse público não pode estar contraposto ao interesse de cada um dos membros
que compõe a sociedade. Seria inadmissível, segundo o mesmo jurista, de que “o
interesse de todos fosse um anti-interesse de cada um. ” (p. 51). Este interesse “só se justifica na medida em
que se constitui em veículo de realização dos interesses das partes que o
integram no presente e das que o integrarão no futuro. ” (p. 52 - 53). Existe o
reconhecimento de uma autonomia da vontade no âmbito do direito privado, assim
como do interesse público nos domínios do direito público, colocando o Estado
na posição de titular:
o Direito
Público se ocupa dos interesses da Sociedade como um todo, interesses públicos,
cujo atendimento não é um problema pessoal de quem os esteja a curar, mas um
dever jurídico inescusável. Assim não há espaço para a autonomia da vontade,
que é substituída pela idéia de função, de dever de atendimento do interesse
público. É o Estado quem, por definição, juridicamente encarna os interesses
públicos. ( p. 25).
E, como em todo o direito,
as normas – princípios e regras – estão revestidas de coercibilidade formal,
disciplinadoras que são da vida social. Esta força disciplinadora, de acordo
com Bandeira de Mello (2004), conjuga a condição suprema com a condição
privilegiada, resultando na necessidade de atos administrativos e na
autotutela, quando da revogação dos atos a partir da vontade unilateral, assim
como – quando atos viciados – a decretação de nulidade.
Com mais ênfase ainda, Lúcia
Figueiredo (1995) – usando figura de linguagem – nega que o interesse público
seja uma folha de cheque em branco fornecido para a Administração Pública
preencher como bem entender:
A expressão
‘interesse público’ não abriga todo e qualquer conteúdo. É um continente
delimitado, primeiramente pelo Texto Constitucional e, depois, pelas opções
legislativas. Interesse público só pode ser, tão-somente, aquele qualificado
como tal pelo ordenamento jurídico. (p. 42).
O interesse público é, para
a autora, conteúdo constitucional e ação legislativa, porque antes é a
expressão do bem-estar geral de uma coletividade, lançada em bases republicanas
e democráticas.
Para Maria Sylvia Zanella Di
Pietro (2012), o princípio da supremacia do interesse público é o que
fundamenta todo o direito público e hoje se apresenta superior aos individuais.
Atribui a este princípio o poder de inspiração sobre a autoridade
administrativa e sobre o processo legiferante. Destaca que o direito público
intenta precipuamente contemplar o interesse público, assim como o direito
privado contempla o interesse individual. E ao contrário do individualismo, que
esteve aderido à lógica da ciência, sobretudo à jurídica, o direito público tardiamente
desenvolveu-se após a superação do primado do Direito Civil. No entanto, Di Pietro expõe as críticas que
este critério estanca e imobiliza:
existem
normas de direito privado que objetivam defender o interesse público (como as
concernentes ao direito de família) e existem normas de direito público que
defendem também interesses dos particulares (como as normas de segurança, saúde
pública, censura, disposições em geral atinentes ao poder de polícia do Estado
e normas no capítulo da Constituição consagrado aos direitos fundamentais do
homem). ( p. 66).
De acordo com Odete Medauar
(2013), o interesse público pode, por vezes, ser sinônimo de interesse
coletivo, e ainda ser comparado ao interesse social, onde este equivaleria à
vontade da sociedade e aquele associado ao Estado. “Nesta concepção o interesse
social seria mais abrangente que o interesse público e expressaria uma
distância da atuação estatal quanto às aspirações da sociedade. ” (p. 157). Tão
abrangente quanto mais forte, uma vez que para a efetivação do instituto da
desapropriação o que fundamenta é o interesse social.
Relativizando a concepção de
que o direito administrativo se encontra fundamentado no princípio da
supremacia e da indisponibilidade do interesse público, Marçal Justen Filho
(2013) decreta a ausência de um fundamento supremo e absoluto, habilitando uma
pluralidade de princípios, sem hierarquias, e solucionáveis na concretude de
cada caso. Não existe um titular absoluto em face de outro, seja o Estado ou o
cidadão. “Todo e qualquer direito, interesse, poder, competência ou ônus são
limitados sempre pelos direitos fundamentais. ” (p. 145).
Ao colocar a supremacia do
interesse público limitada pelos direitos fundamentais, o autor não deixa de
fazer interessante colhida do argumento de um número significativo de
defensores de uma supremacia absoluta, que denunciam absurda indisponibilidade
dos interesses privados, caso esses prevalecessem sobre o interesse público:
A
indisponibilidade indicaria a impossibilidade de sacrifício ou transigência
quanto ao interesse público, configurando-se como uma decorrência de sua
supremacia. Para os defensores desse entendimento, a supremacia e a
indisponibilidade do interesse público vinculam-se diretamente ao princípio da
República, que impõe a dissociação entre titularidade e exercício do interesse
público. Juridicamente, o efetivo titular do interesse público é a comunidade,
o povo. O direito não faculta ao agente público o poder para escolher entre
cumprir e não cumprir o interesse público. O agente é um servo do interesse
público – nessa acepção, o interesse público é indisponível. ”. (JUSTEM FILHO, 2005,
p. 144).
Estas considerações não
representam, para este doutrinador, a aceitação de uma posição individualista, excludente
da tutela jurídica de interesses coletivos. “Ou seja, não se pretende defender
a supremacia do interesse privado. ” (2013, p. 155). O que ele quer é defender
a preponderância dos direitos fundamentais como fundamento da ordem jurídica,
no lugar do interesse público, admitindo a não unificação dos interesses
diversificados e conflituosos entre si; a não atribuição exclusiva ao Estado de
interesses nas dimensões coletivas, individuais e difusas; e o entendimento de
que o direito administrativo opera para compor a diversificação conflituosa da
sociedade.
E foi a partir da Constituição
da República Federativa do Brasil (CRFB) de 1988, com o direito administrativo
mais instrumentalizado, que este país passou a conhecer com frequência o
princípio da supremacia do interesse público, assim como a ebulição teórica e
controversa do tema.
Entre vários doutrinadores
que assim observam, cita-se o constitucionalista Luís Roberto Barroso (2015),
para quem “A controvérsia se estabeleceu tanto em relação à própria existência
e à natureza da suposta norma que prescreveria a supremacia do interesse
público sobre o privado, como a respeito da sua legitimidade constitucional. ”
(p. 93).
Destaca, Barroso, a
complexidade do tema, remetendo-o ao conjunto da análise dos direitos
fundamentais, e que no presente trabalho passa-se a tratar com exclusiva e
dedicada atenção.
Colaborando nesta vertente,
apresenta-se o doutrinador catarinense José Sérgio da Silva Cristóvam (2015),
que destaca a proteção aos interesses individuais e coletivos por parte da CRFB
de 1988, de onde se configura o Estado constitucional de direito. “É um fator que acaba por afastar qualquer
concepção [...] de supremacia abstrata e apriorística do interesse público
sobre o particular, como parâmetro geral e estruturante da normatividade administrativa.
” (p. 319).
Desta forma, Cristóvam
defende que o conceito jurídico de interesse público deva ser constantemente
elaborado, a partir de uma ponderação dialógica, onde haja lugar constitucional
adequado para tratar dos direitos e interesses fundamentais individuais. Pretende,
assim, a supressão doutrinarista de uma supremacia ideológica, promotora do
Estado patrimonialista, dono absoluto do interesse público, por vezes distante
de um caráter humanista. Suprimida esta doutrina, elabora-se um construto
social, fortalecedor do Estado social e democrático de direito.
Este veemente entendimento
oferta ingredientes para a denúncia de casos de maquiagem manipuladora, promovida
pelo Estado, que atribui superficialmente determinados interesses públicos,
exibindo uma faceta cujo adorno camufla seu lado escuso, ou seja, muito
distante do público, mas retórica e institucionalmente revestida de suposta
supremacia do interesse público.
Seguindo com Barroso (2015),
a razão de ser do Estado, resumida nas finalidades promovedoras da segurança,
da justiça e do bem-estar social, consiste no rol de interesse público
primário, admitidos como o conjunto de interesses da sociedade. O secundário,
é o interesse “da pessoa jurídica de direito público que seja parte em
determinada relação jurídica – quer se trate da União, quer se trate do
Estado-membro, do Município ou das suas autarquias. ” (p. 94). O direito
administrativo, assim entendido, insere-se nos domínios dos princípios
constitucionais, onde os direitos fundamentais alteraram a relação entre administração
e administrados.
A origem desta classificação,
segundo Celso Antônio Bandeira de Mello (2004), advém da doutrina italiana,
muito pouco estudada e difundida no Brasil, mas naquele país um
conceito bastante corrente e consagrado “a um ponto tal que, hoje, poucos
doutrinadores daquele país se ocupam em explicá-los, limitando-se a fazer
menção, como referência a algo óbvio, de conhecimento geral. ”. (p. 57). Entre
os doutrinadores italianos, o autor cita Renato Alessi, pelo discernimento do
conceito, especificamente na obra, publicada em 1960, Sistema istituzionale del diritto amministrativo italiano.
O Estado deve buscar o
interesse público primário, objetivando proporcionar bem-estar à coletividade e
à sociedade como um todo, e não o interesse secundário, que visa atender aos
reclamos da Administração Pública:
Uma vez
reconhecido que os interesses públicos correspondem à dimensão pública dos
interesses individuais, ou seja, que consistem no plexo dos interesses dos
indivíduos enquanto partícipes da
Sociedade (grifo do autor) [...], põe-se a nu a circunstância de que não
existe coincidência necessária entre interesse público e interesse do Estado e
demais pessoas do Direito Público. (MELLO, 2004, p. 56)
Nesta vertente de
pensamento, consiste em erro atribuir exclusividade ao Estado na representação
do interesse público. Assim, algumas necessidades do aparato administrativo não
são de interesse público, e sim interesse da administração pública, advindo da
lógica da manutenção da estrutura administrativa “independente do fato de ser,
por definição, encarregado dos interesses públicos, o Estado pode ter, tanto
quanto as demais pessoas, interesses que lhe são particulares, individuais, e
que [...] se encarnam no Estado enquanto pessoa.” (MELLO, 2004, p. 57). E o
Estado, com seus interesses individuais, representando o interesse público
secundário, ao chocar-se com o interesse público primário, submete-se à
supremacia deste, mesmo estando representado pela necessidade particular de um
cidadão, advindo de um direito fundamental, onde se proteja o princípio da
dignidade humana.
Isto equivale, em parte, ao
que reproduzimos anteriormente de Justen Filho, quando se referiu a supostas
confusões entre interesse público e posições defendidas por agentes públicos. São
considerações que levam a assertiva de que o interesse público primário é o
interesse a que se destina a Administração Pública, o interesse da
coletividade. E interesse público secundário é aquele interesse que visa a
defesa patrimonial do Estado.
No mesmo diapasão, Alexandre
Aboud (2008) reserva ao interesse público primário a condição veicular para “a
realização dos interesses de todos e de cada um de nosso corpo social. Ou seja:
constituem-se os legítimos interesses da coletividade, refletindo aquilo que Rousseau
chama de vontade geral. ” (p.64). O secundário, para o mesmo autor, é advindo
da vontade da Administração, não desfrutando de supremacia sobre o interesse
privado.
Mesmo reconhecendo legítima
primazia do interesse público fora do Estado, Luís Roberto Barroso (2015) – que
identifica seu pensamento com o expresso na redação de Celso Antônio Bandeira
de Mello, em seu Curso de direito administrativo – não concorda de que o Estado
estivesse diminuindo seu papel. A continuidade do protagonismo do Estado,
apesar de alguma redefinição em função de seu aparente recolhimento,
especialmente diante dos efeitos da mundialização da cultura e da economia,
atribui-se uma interessante e peculiar trajetória pendular no seu percurso durante
o século XX:
Começou
liberal, com funções mínimas, em uma era de afirmação dos direitos
políticos e individuais. Tornou-se social após o primeiro quarto, assumindo
encargos na superação das desigualdades e na promoção dos direitos sociais.
Na virada do século, estava neoliberal, concentrando-se na atividade de
regulação, abdicando da intervenção econômica direta, em um movimento de
desjuridicização de determinadas conquistas sociais. E assim chegou ao novo
século e ao novo milênio. (BARROSO, 2015, p. 93).
O que poderia parecer um
sinal de fim, é simplesmente uma movimentação
peculiar, legitimamente histórica. Essa trajetória pendular é justamente a
constatação de que o Estado não é um organismo artificial e imóvel, mas sim um
organismo social, suscetível aos movimentos políticos e econômicos. O Estado,
segundo este constitucionalista, é indiscutivelmente a instituição mundial
protagonista mais sólida da modernidade, presente nas esferas da economia e da
cultura, no ambiente doméstico, profissional, nacional e internacional. Sua ubíqua
presença, implica em relações jurídicas que exigem, via de regra, o direito
público. “No espaço público não reinam a livre-iniciativa e a autonomia da
vontade, estrelas do regime jurídico de direito privado. ” (BARROSO, 2015, p.
94). Os agentes estatais devem atuar sem o auto desfrute, de acordo com os
princípios e as condutas comuns às competências públicas.
Barroso advoga contra o
preconceito liberal, responsável pela disseminação da falsa ideia de que o
Estado está ruindo e se apequenando. Combate a doutrina mantenedora do binômio
maniqueísta Estado x Sociedade. Esta divisão, em seu pensamento, não existe
mais. O Estado é composto pela sociedade, onde o
interesse público secundário tem sua importância. O acolhimento desta prioritária
inversão, que faz do interesse primário um interesse superior ao secundário,
dando estabilidade para os direitos fundamentais, acontece na ordem
constitucional, onde a supremacia se encontra fundamentada.
Por isso, afirma o
constitucionalista, é exigível uma dessacralização do princípio da supremacia
do interesse público. Assevera o autor que, em colisão, o caso concreto
indicará a decisão mais apropriada, sem esquecer que o interesse público
primário é supremo e se encontra acima da ponderação, uma vez que é o próprio
parâmetro da ponderação. A complexidade aumenta quando as colisões entram no
mesmo terreno, ou seja, confrontam direitos fundamentais diversos, exigindo a razão
pública e dignidade humana para a solução de cada caso.
Neste terceiro capítulo,
analisou-se o regime jurídico dos bens públicos a partir do único lugar que lhe
é peculiar: o direito público.
A redundância intencional desta
afirmação faz-se necessária diante de observada recorrência acerca da confusão
entre estes dois campos. O público e o privado se relacionam, entre contratos e
distratos, e exercem seus papéis sociais, combinando princípios,
características e origens bastante definidas, e em posições discrepantes ou
harmônicas.
Com este desiderato,
estabeleceu-se a continuação do diálogo entre doutrinadores do solo pátrio,
sobre as regras disciplinadoras do interesse público, que foram alicerçadas no
capítulo anterior, pelos princípios da supremacia e da indisponibilidade do
interesse público.
Portanto, trabalhou-se, nas
linhas abaixo, o bem público a partir dos tópicos: conceituação, classificação,
finalidade, destinação e titularidade. Assim como os principais institutos e
princípios dos bens públicos: afetação, inalienabilidade, imprescritibilidade e
não-onerabilidade.
A fundamental característica
do regime jurídico público, que o distingue do regime privado, é a presença
tuteladora do Estado, como garantia de proteção do interesse público:
Os bens
públicos oferecem traços que os distinguem dos bens particulares. Ambos objetos
do mundo, ambos objetos de direito, estão sujeitos a regimes jurídicos
diversos, porque se os bens particulares, de que cuida o direito civil, estão
subordinados a regime jurídico de direito privado, sendo suscetíveis de
apropriação por parte dos particulares, os bens públicos, cogitados pelo
direito administrativo, estão sob impacto de regime jurídico de direito
público, policiados pelo Estado, por este tutelados, permitindo-se-lhes o uso
geral ou especial pelo povo ou pelos administrados e, até numa de suas
modalidades, suscetíveis de relações patrimoniais, reguladas pelo direito
comum, mas com aspectos disciplinados pelo direito público. (CRETELLA JÚNIOR,
1975, p. 20)
Para este doutrinador, do
regime jurídico público advém os princípios informativos responsáveis pela
retirada dos bens da área civilista para o ingresso na área administrativa, de
onde recebem o disciplinamento correlato.
Na mesma sintonia, Maria
Sylvia Zanella Di Pietro explica que:
A expressão
regime jurídico da Administração Pública é utilizada para designar, em sentido
amplo, os regimes de direito público e de direito privado a que pode
submeter-se a administração pública. Já a expressão regime jurídico
administrativo é reservada tão-somente para abranger o conjunto de traços, de
conotações que tipificam o Direito Administrativo, colocando a Administração
Pública numa posição privilegiada, vertical, na relação
jurídico-administrativa. Basicamente pode-se dizer que o regime administrativo
resume-se a duas palavras apenas: prerrogativas e sujeições. (2012, p.61).
E apesar de ter origem no
Estado liberal, segundo a autora, essas prerrogativas e sujeições do regime
jurídico administrativo oferecem à administração pública condições de
autoridade sobre o indivíduo, objetivando o interesse geral, exercendo a
supremacia necessária. Porém, prerrogativas com algumas restrições, que podem
provocar “nulidade do ato administrativo e, em alguns casos, até mesmo de
responsabilização da autoridade que o editou. ” (PIETRO, 2013, p. 63). Esses
limites restritivos, segundo a autora, é que impedem os desvios de poder e, por
conseguinte causam nulidades provocadas por inobservância de princípios do
direito público.
O jurista Humberto Martins
aponta acerca da complexidade do regime jurídico dos bens públicos, concluindo
que este:
ultrapassa as
fronteiras do Direito Constitucional e do Direito Civil, abrangendo o Direito
Administrativo e o Direito Ambiental. A forma assistemática com que o tema vem
sendo trabalhado é, em grande medida, resultante do imenso arcabouço de leis e
decretos, de diferentes regimes constitucionais, que se superpõem e dificultam
a atuação do intérprete e, ainda mais, do aplicador da norma no âmbito
administrativo. (MARTINS, 2009).
No seu entendimento,
persiste a necessidade de uma sistematização conceitual a partir do
aprofundamento das colaborações dos diversos doutrinadores. Defende que esta
sistematização deva contemplar princípios que protejam o meio ambiente, o
interesse público, a soberania nacional, a cultura e a tradição indígena.
Marçal Justen Filho (2013,
p. 136-139) infere na questão principiológica, como uma fundamental
característica do regime jurídico de direito público. São os princípios que
desempenham a função normativa e também reduzem as contradições advindas de uma
sociedade democrática e plural. Para ele, o regime jurídico de direito público
resume-se:
[...] num
conjunto de princípios e regras jurídicas que disciplinam poderes, deveres e
direitos vinculados diretamente à supremacia e à indisponibilidade dos direitos
fundamentais. O regime de direito público caracteriza-se pela criação de órgãos
e funções na esfera pública, a quem é atribuída a titularidade de bens
vinculados à realização de valores essenciais, assim como a competência para
promover a satisfação de interesses indisponíveis. (2013, p. 139).
Vê-se o peso dos princípios
nos escritos de Justem Filho em relação ao regime de direito público,
equivalente ao que representa o princípio da autonomia da vontade no regime de
direito privado.
No artigo 37, caput, da CRFB
de 1988, encontram-se alguns dos princípios
expressos do regime jurídico dos bens públicos, aplicáveis a todos os
institutos do direito administrativo:
CAPÍTULO VII.
DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. Seção I. DISPOSIÇÕES GERAIS. Art. 37. A administração
pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...] (BRASIL, 1988).
Além dos princípios da legalidade, da
impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, a constituição
em vigor traz outros expressos, igualmente importantes para o regime jurídico
administrativo, como: da motivação (arts. 1º, II e parágrafo único, e 5º, XXXV);
do devido processo legal e da ampla defesa (art. 5º, LIV e LV); do controle
judicial e dos atos administrativos (art. 5º, XXXV); e da responsabilidade do
estado por atos administrativos (art. 37, § 6º).
Contudo, não somente os
princípios constitucionais expressos guardam a importância no âmbito do regime
jurídico administrativo. Bandeira de Mello (2004, p. 87-114) faz um arrolamento
dos princípios não expressos: supremacia do interesse
público (a razão de ser do Estado o fundamenta); finalidade (funda-se no
complemento ao princípio da legalidade); razoabilidade (apoia-se nos princípios
da finalidade e da legalidade); proporcionalidade (respaldado pelo princípio da
legalidade, é uma faceta específica do princípio da razoabilidade); e segurança
jurídica (é da essência do direito, integrando a totalidade do sistema
constitucional sem radicar-se em dispositivo específico).
Na observância aos
princípios que prefiguram o regime jurídico dos bens públicos, lugar em que as
normas encontram suas aplicações fundamentadas, e de onde a autonomia da
vontade, princípio fundamental do direito privado, não deve prevalecer, conclui
o doutrinador:
Assim, o
pressuposto inafastável das sanções implicadas nas infrações administrativas é
o de que exista a possibilidade de os sujeitos
saberem previamente qual a conduta que não devem adotar ou a que devem
adotar para se oporem seguramente a salvo da incursão da figura infracional; ou
seja: cumpre que tenham ciência perfeita de como evitar o risco da sanção e
[...] abster-se de incidir nos comportamentos profligados pelo Direito. (MELLO,
2004, p.749).
Bandeira de Mello valoriza
as funções coercitivas das normas, articuladas aos princípios, que se
inexistissem colocariam os sujeitos em permanente dependência do acaso e
escravos dos equívocos, comprometendo a própria ordem jurídica. Desta forma,
destacando a importância do conjunto pertinente ao regime jurídico dos bens
públicos, o que o autor pretende é realçar que as sanções ocorrem quando
predomina a voluntariedade nos procedimentos administrativos.
A finalidade pública de um bem público é o que
marca a principal característica dos bens públicos, que para Cretella Júnior “[...]
são as coisas materiais ou imateriais, assim como as prestações, pertencentes
às pessoas jurídicas públicas, objetivam fins públicos e sujeitas a regime
jurídico especial, de direito público, derrogatório e exorbitante do direito
comum. ” (CRETELLA JÚNIOR, 1975, p. 18). Após vinte e cinco anos, acrescenta o
mesmo autor:
No direito brasileiro, excetuando-se os bens do
domínio nacional, pertencentes à União, aos Estados ou aos Municípios, todos os
demais constituem objeto do direito privado das coisas, seja qual for a pessoa
a que pertencerem. O direito administrativo e o direito constitucional lidam
com coisas públicas, ‘bens públicos’. A definição de coisas e bens, suficiente
para o campo do direito privado, é insuficiente para o campo do direito
público, porque este setor do direito lida com bens extra commercium, que não fornecem utilidade econômica [...] (2000, p.
555)
Ou seja, bens públicos não
são úteis ao comércio – economicamente falando –, mas integram o patrimônio do
Estado, incorporando o status de riqueza pública, cuja utilidade é o
atingimento dos meios necessários para que a administração pública alcance o
fim proposto.
Bandeira de Mello (2004, p.
803) conceitua bem público como:
todos os bens que pertencem às pessoas jurídicas de
Direito Público, isto é, União, Estados, Distrito Federal, Municípios,
respectivas autarquias e fundações de Direito público (estas últimas, aliás,
não passam de autarquias designadas pela base estrutural que possuem), bem como
os que, embora não pertencentes a tais pessoas, estejam afetados à prestação de
um serviço público. O conjunto de bens públicos forma o ‘domínio público’, que
inclui tanto bens imóveis como móveis. (2004, p. 803).
Nesta conceituação, o
jurista esclarece, de forma inquestionável, que existe a participação de bens
particulares no domínio público, na condição de regime jurídico público, desde
que afetados a uma atividade pública.
Conforme visto em Hely Lopes
Meirelles (2013), uma vez integrando o patrimônio público, esses bens são
conceituados e destinados legalmente para sua correta e adequada administração,
uso e alienação. Assim, bens públicos são “[...] todas as coisas, corpóreas ou
incorpóreas, imóveis, móveis e semoventes, créditos, direitos e ações, que
pertençam, a qualquer título, às entidades estatais, autárquicas, fundacionais
e paraestatais e empresas governamentais” (p. 576). Mesmo os patrimônios incorporados por
entidades de personalidade privada continuam vinculados ao serviço público,
“tanto assim que na extinção da entidade reverte ao ente estatal que o criou, e
qualquer ato que o lese poderá ser invalidado por ação popular (Lei federal
4.717/65, art. 1º). ” (MEIRELLES, 2013, p. 576). De outra forma dito, a
reversão ocorre porque a incorporação do bem não retirou sua chancela de
patrimônio público.
Apesar de não ser objeto do
presente trabalho, que parte do viés administrativista – portanto, do Direito
Público – vale citar a perspectiva civilista, que classifica os bens públicos
no artigo 99 e seguintes do Código Civil Brasileiro em vigor:
Dos Bens Públicos. Art.
99. São bens públicos: I - os de uso comum do povo, tais
como rios, mares, estradas, ruas e praças; II - os de uso
especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou
estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal,
inclusive os de suas autarquias; III - os dominicais, que
constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto
de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades. Parágrafo
único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens
pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura
de direito privado. Art. 100. Os bens públicos de uso comum
do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua
qualificação, na forma que a lei determinar. Art. 101. Os
bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei. Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião. Art. 103. O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou
retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade a cuja
administração pertencerem. (BRASIL, 2002).
No Código Civil, como
viu-se, os bens públicos são aqueles pertencentes às Pessoas Jurídicas de
Direito Público, e possuem características específicas, protegidas
constitucional e infra-constitucionalmente, como a inalienabilidade ou
alienação na forma da lei, a não onerabilidade ou impossibilidade de oneração,
e a sua imprescritibilidade. Rememora-se que os bens públicos estavam já
previstos no Código Civil de 1916, do artigo 65 ao 68 (BRASIL,
1916), e a única diferença, na conceituação de bens públicos, é que
previa entidades com personalidade jurídica de direito público, como as
autarquias e as fundações. No entanto, antes mesmo do novo código civil, a
doutrina expunha conceituação mais flexível.
Segundo Hely Lopes Meirelles (2013), o Código
Civil de 1916 nem podia considerar formas de instituições inexistentes naquele
tempo. Por isso, mesmo antes do novo Código, doutrinadores trataram de
preencher lacunas que atentassem para uma realidade jurídica atual.
Dando conta da existência de
várias teorias que conceituam dissemelhantemente domínio público, Hely Lopes
Meirelles assegura que administrativistas acordaram sobre uma acepção: domínio
público identifica aqueles bens (próprios ou alheios) em que o Estado exerce o
seu poder:
o conjunto de bens destinados ao uso público (direto
ou indireto – geral ou especial – uti
singuli ou uti universi), como pode designar o regime a que se subordina esse
complexo de coisas afetadas de interesse público. A equivocidade da expressão
obriga-nos a conceituar o domínio público em sentido amplo e em seus
desdobramentos político (domínio eminente)
e jurídico (domínio patrimonial).
(MEIRELLES, 2013, p. 573).
Então, no dizer deste
doutrinador, o Estado exerce poder de regulamentação em bens pertencentes ao
patrimônio seu (público) e privado (mas com interesse público), configurando aí
o domínio em seus desdobramentos jurídicos. No âmbito político, de outro lado,
o domínio é eminente, e não se confunde com o direito de propriedade, como
expresso juridicamente, mas está sujeito ao direito.
É pertinente que se faça um
destaque elucidativo, consoante a ótica de Sérgio de Andréa Ferreira (1985,
p.158), que seleciona bens que não são públicos e nem tampouco privados, mas
que figuram no domínio comum (Meirelles chama de domínio eminente), como a luz
solar e o ar atmosférico. Ele trata de um direito absoluto, de onde emanam uma
série de bens fundamentais, como o direito à vida, não sujeitos a
institucionalizações, mas sim a medidas legais protetivas, de que todos têm o
dever de cumprir e poder público de efetivar.
Na sequência, conforme
entendido, classificar-se-á os bens públicos quanto a sua destinação (Uso comum
do povo, Uso especial e Dominial); a sua titularidade (União Federal, Estados,
Distrito Federal e Municípios); e a sua disponibilidade (Indisponíveis,
patrimoniais indisponíveis e Patrimoniais disponíveis).
Como já visto no art. 98 e seguintes do
atual Código Civil Brasileiro, assim como em diversas legislações, os bens
públicos estão submetidos a um conjunto protetivo que consiste no regime
jurídico dos bens públicos, e estão divididos em três categorias: uso comum do
povo; uso especial; e dominial.
Iniciando com um breve
histórico, o doutrinador Cretella Júnior (2000, p. 557) revela que os romanos
já tinham um olhar cognitivo para os bens de uso comum, quando admitiram a não
obrigatoriedade da outorga estatal para o uso das coisas públicas, e sentencia:
Bens de uso comum são todas as coisas imóveis ou
móveis sobre as quais o público, anonimamente, coletivamente, exerce direitos
de uso e gozo, como, por exemplo, os que recaem sobre estradas, ruas, praças,
rios, costas do mar. Qualquer pessoa, nacional ou estrangeira [...], sem
identificação, sem título, anonimamente, pode utilizar-se das ruas e estradas,
usufruindo-as, sem que possa ser impedido, legitimamente, por outro particular
ou pelo poder público.
É pacífico na doutrina,
assim como presente na legislação, que os bens de uso comum do povo ou do
domínio público são, além de móveis (veículos, quadros, livros), imóveis, como ruas, praças, rios, mares e estradas. Enfim, todos
os locais abertos à utilização pública adquirem esse caráter de comunidade, de
uso coletivo, de fruição própria do povo.
Curioso, para um país com
dimensões litorâneas gigantescas como o Brasil, que as praias tenham somente
figurado na categoria de uso comum com a Lei nº 7.661, de 16 de maio de 1988, que instituiu o Plano
Nacional de Gerenciamento Costeiro, conforme seu art. 10:
As praias são bens públicos de uso comum do povo,
sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer
direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse de
segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação específica.
(BRASIL, 1988b)
Na mesma direção, Diógenes Gasparini (2012),
aponta que a todo e qualquer habitante é permitido o uso e gozo desses dos bens
de uso comum, na condição de pessoa pública ou privada, física ou jurídica;
sãos bens, sem formalidade, para serem usados por qualquer pessoa. Este uso,
assevera o autor, deve estar em conformidade com a sua destinação. Porém, situações
atípicas, cujas destinações fogem à normalidade do uso comum do bem público, a
que chama de uso anormal, podem ser efetivadas legalmente, desde que haja
comunicação à autoridade competente, conforme prevê o art. 5º, XVI, da CRFB. Cita
como exemplos a realização de evento político em uma praça; de uma manifestação
estudantil na rua; e a concentração de torcedores para comemorarem a vitória de
seu time.
Os bens públicos de uso comum do povo, enquanto
guardarem essa consagração, são inalienáveis. [...]. Destarte, se desafetados,
por lei, do uso comum do povo e nos termos e condições da lei autorizadora,
qualquer bem dessa espécie pode ser alienado ou ter seu uso trespassado a quem
por ele se interesse. Em mais de um diploma legal têm-se exigido, ainda, para a
validade da alienação ou do trespasse do uso, avaliação e concorrência. Nesse
sentido confronte-se a Lei federal nº 8.666/93 (art. 17). (GASPARINI, 2012,
p.961).
Portanto, enquanto
consagrados por características de bens de uso comum do povo, destinados ao uso
e gozo público, qualquer um usufrui cotidiana e democraticamente. São os
espaços destinados acolhedores do habitante, cidadão do mundo, membro de uma polis, seja na simples contemplação paisagística,
no entretenimento, na expressão da cultura, na mobilidade para o trabalho, o estudo
ou o lazer, ou ainda no livre ir e vir das atividades transeuntes frequentes e
diversificadas, em locais de livre acesso, seja na condição pedestre ou
automotora. Enfim, o bem de uso comum é o lócus
da ocupação informal no espaço. Porém, lembre-se, como escreve o autor,
enquanto assim consagrados, uma vez que existe a possibilidade de sua alienação
ou de ser trespassado seu uso. Ainda destaca o autor, que este uso comum pode
ser gratuito, como a maioria, mas também pode ser oneroso, conforme art. 103 do
CCB vigente e V, do art. 150 da CRFB de 1988. O serviço de cobrança pelo estacionamento em
vias públicas na maioria dos municípios brasileiros, por exemplo, faz uso de um
bem comum (rua) de forma onerosa, assim como os pedágios cobrados em rodovias federais.
No entanto, Gasparini (2012, p. 961) ainda acrescenta que esses bens assim como
“os de uso especial, em função da destinação que lhes é inerente, podem ser
retomados pela Administração Pública, sua proprietária, por seus próprios meios
e recursos, isto é, autoexecutoriamente, segundo vem decidindo nossos Tribunais
[...]. ”.
Se existe uma condição de
inalienabilidade relativa para os bens de uso comum do povo (e os de uso
especial), podendo esses serem alienados ou trespassados, o caminho inverso
também é verdadeiro: a autoexecutoriedade dos poderes públicos pode reverter à
situação anterior do bem, voltando este a ser de uso público comum do povo ou
de uso especial.
Avistar-se-á, com mais
propriedade, a condição de bem público de uso especial, apenas até aqui
mencionado superficialmente.
Os bens públicos de uso
especial, também móveis ou imóveis, estão submetidos a prestação de algum
serviço público, destinados a cumprir alguma finalidade. “São os edifícios e
terrenos utilizados pelo próprio Estado para a execução de serviço público
especial, havendo uma destinação especial, denominada afetação. ” (TARTUCE, 2013, p. 175).
O serviço público ali
desempenhado possui uma destinação definida por lei que disciplinará o uso do
patrimônio público, que apesar de ser direta e informalmente executada pelo
agente público, obedece algumas condições. Diga-se que o público ingressa
nesses bens, sujeitando-se a controle mais restrito do que nos bens de uso
comum. (COELHO, 2004, p. 443).
Conforme leciona Hely Lopes Meirelles
(1990), prédios e repartições são patrimônios públicos, de uso especial, porque
afetados juridicamente a um determinado destino executório de serviço público,
que apesar de não integrarem a administração
constituem o aparelhamento administrativo, tais como
os edifícios das repartições públicas, os terrenos aplicados aos serviços
públicos, os veículos da Administração, os matadouros, os mercados e outras
serventias que o Estado põe à disposição do público, mas com destinação
especial. Tais bens, como tem uma finalidade pública permanecem, são também
chamados bens patrimoniais indisponíveis. (p. 415).
Contribuindo pertinentemente
para o reforço da característica da indisponibilidade do bem público de uso
especial, colhe-se lúcida sugestão de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2012),
que entende a expressão uso especial, infeliz para identificar a característica
desse tipo de bem:
porque se confunde com outro sentido em que é utilizada,
quer no direito estrangeiro, quer no direito brasileiro, para indicar o uso
privativo de bem público por particular e também para abranger determinada
modalidade de uso comum sujeito a maiores restrições, como pagamento de pedágio
e autorização para circulação de veículos especiais. É mais adequada a
expressão utilizada pelo direito italiano e pelo antigo Código de Contabilidade
Pública, ou seja, bens do patrimônio indisponível; por aí se ressaltar o
caráter patrimonial do bem (ou seja, a sua possibilidade de ser economicamente
avaliado) e a sua indisponibilidade, que resulta, não da natureza do bem, mas
do fato de estar ele afetado a um fim público. (p. 730
Destaca-se nesta
citação, além da localização de uma aparente dificuldade de compreensão, de
origem semântica, a acentuação da característica similar entre os bens de uso
comum e os bens de uso especial: a indisponibilidade. E a mesma doutrinadora se contenta com a
atribuição ampla ao vocábulo serviço, contemplando tanto situações de uso
especial direto pela Administração Pública (União, Estado, Distrito Federal,
Município, autarquia e fundação pública), quanto as de uso por particular. A
questão é que ambas situações englobam atividades de interesse geral,
fiscalizadas ou coordenadas pelo poder público.
Oportuna ainda o
estudo de Alessandro Dantas Coutinho (2015), de que todo o bem público, para ser transferido a particular, faz-se
a partir de processo concorrencial, em respeito aos princípios constitucionais
regentes da Administração Pública, mas tratando-se de imóveis pertencentes a
fundações, e de autarquias e órgãos da Administração Direta, autorização
legislativa é necessária. Aqui se trata especificamente da passagem de sua
condição de patrimônio indisponível para disponível, mediante autorização
legislativa, acionando o instituto da desafetação.
Concluindo, é pacífica a
afirmação: “Os bens de uso especial são os pertencentes ao patrimônio administrativo
e que possuem uma destinação pública específica. ” (COSTA, 2013, p.18).
Nota-se que os bens públicos de uso especial não se manifestam por
eventualidade ou de forma transitória, como nas situações atípicas que fogem à
normalidade dos bens de uso comum, pois possuem destinação típica e específica,
caracterizadora da finalidade de uso especial.
As expressões
dominicais e dominiais, comumente usadas como sinônimos, sempre suscitaram
dúvidas. Empreendeu-se uma investigação acadêmica buscando resolver esta dúvida
sinonímica. Achou-se em Cretella Junior (1978, apud CARVALHO FILHO, 2015,
p.1189) possivelmente – salvo engano – a única distinção na doutrina: dominical
referindo-se aos bens patrimoniais dos entes públicos, “objeto de direito real
ou pessoal”; e dominial aos bens do domínio do Estado.
De fato, o adjetivo dominicus, em latim,
tinha o sentido de ‘do senhor; o que pertence ao senhor’. Ora, a noção ampla
de domínio tanto envolve os bens dominicais como os de uso especial. Por isso,
a expressão bens dominicais, de acordo com sua origem, nem alcança todos os
bens públicos, nem somente os tidos como dominicais. Apesar da imprecisão do
termo, pode considerar-se que a noção de bens dominicais implica caráter
residual, isto é, são todos os que não estejam incluídos nas demais
categorias de bens públicos. Trata-se, por conseguinte, de noção ex vi
legis. Já a expressão bens dominiais, como distingue CRETELLA JUNIOR, deve
indicar, de forma genérica, os bens que formam o domínio público em sentido
amplo, sem levar em conta sua categoria, natureza ou destinação.
Vencida a
dúvida, exaurida em âmbito filológico, fica-se com a expressão dominial, sem
nenhum receio de simplificações de conteúdo.
Os bens
dominiais, segundo Diogenes Gasparini (2012), são aqueles depostos de
destinação, livres e adequados para serem utilizados, trespassado ou
alienados:
Pertencem à União, aos Estados-Membros,
aos Municípios, ao Distrito Federal, às autarquias e fundações públicas.
Tais entidades exercem sobre esses bens poderes de dono, de proprietário.
Apesar disso, a alienação e o trespasse do uso podem exigir o cumprimento,
previamente, de certos requisitos, como avaliação, concorrência e licitação.
Desses bens são exemplos os terrenos sem qualquer afetação de proprieda- de
das citadas pessoas públicas. (p. 962).
Apesar de
poderem ser utilizados pelos proprietários para todos os fins pretendidos, alerta
o autor de que as pretensões devem cumprir as legislações correspondentes a
situação local do imóvel. Como por
exemplo, a União jamais poderá dar a bem dominial de sua propriedade qualquer
utilização contrária a legislação municipal de uso do solo.
Expondo
simplificadamente, porém com didática, José dos Santos Carvalho Filho (2015,
p.1188) resume que na categoria dos bens dominiais “[...] se situam todos os
bens que não se caracterizem como de uso comum do povo ou de uso especial. ”.
Explica que o bem, servindo às atividades administrativas ou ao uso público,
não poderá ser categorizado como dominial.
Na mesma linha
de exposição, classificando bens dominiais por exclusão, Paulo Magalhães da
Costa Coelho (2004, p.443) aponta: “Não possuem destinação específica (o Poder
Público não necessita de sua fruição, e o uso não é indistintamente permitido).
”. Coelho ainda sintetiza que a possibilidade de sua alienação ocorre em função
de seu ingresso na categoria de bens patrimoniais disponíveis.
Hely Lopes
Meirelles, conceituando bens dominiais como sinônimo de bens disponíveis,
atesta a integração destes no domínio público, junto com os de uso comum do
povo e os de uso especial, mas demarca a diferença fundamental, que é a
possibilidade de alienação:
Daí porque recebem também a denominação de
bens patrimoniais disponíveis ou de bens do patrimônio fiscal. Tais bens
integram o patrimônio do Estado como objeto de direito pessoal ou real, isto é,
sobre eles a Administração exerce ‘poderes de proprietário, segundo os
preceitos de Direitos Constitucional e Administrativo’, na autorizada expressão
de Clóvis Beviláqua. Além desses bens originariamente integrantes do patrimônio
disponível da Administração, por não terem uma destinação pública determinada,
nem um fim administrativo específico, outros poderão ser transferidos, por lei,
para esta categoria, ficando desafetados de sua primitiva finalidade pública,
para subsequente alienação. (2013, p.589)
Então, conforme
registra o doutrinador, o bem público pode originalmente estar disponível, sem
destinação nenhuma (dominial), ou então deixar de ter destinação (desafetado) e
com isso também estar disponível para qualquer que for o uso, podendo ser
alienado. Esta alienação somente poderá ocorrer, conforme a lei determina, após
a aplicação do instituto da desafetação, que será visto a seguir.
Uma característica
fundamental e fruto de muita polêmica, disputas políticas e conflitos
regionais, ao longo do processo de povoamento do Brasil, a titularidade dos
bens públicos sempre foi uma questão crucial para o fenômeno do Poder.
Dalmo de Abreu Dallari (200)
resume, a partir de um quadrante sociológico, o componente jurídico da
titularidade do Estado:
A noção de
poder está implícita na de soberania, que, no entanto, é referida como a
característica da própria ordem jurídica. A politicidade do Estado é afirmada
na referência expressa ao bem comum, com a vinculação desde a um certo povo e,
finalmente, a territorialidade, limitadora da ação jurídica e política do
Estado, está presente a menção a determinado território. (p. 118).
Coloca o autor a soberania
nacional entrelaçada na proteção dos seus limites territorialmente
reconhecidos, como identidade do povo (Nação) e lugar do poder, onde o
ordenamento jurídico foi se constituindo.
Importante observação faz
Hely Lopes Meirelles, de que “Todos os bens públicos são bens nacionais, por
integrantes do patrimônio da Nação, na sua unicidade estatal, mas, embora
politicamente componham o acervo nacional, civil e administrativamente pertencem
a cada uma das entidades públicas que os adquiriram. ” (MEIRELLES; ALEIXO;
BURLE FILHO, 2013, p. 577).
Hoje, a titularidade dos
bens públicos no Brasil está prevista na CRFB de 1988, podendo ser federal (art.20),
estadual/distrital (art.26) e municipal. Enumerados enunciativa e não taxativamente,
os bens do Distrito Federal, pelo princípio da adequação, incluem-se ao lado
dos bens públicos estaduais. Pelo mesmo princípio incluem-se os municípios, que
apesar da CRFB de 1988 não ter disciplinado, possui um patrimônio, onde estão
contidos bens, como móveis e imóveis, ruas e praças.
Observa-se, em Diogenes
Gasparini (2012), que a administração fundacional das três esferas, também
figuram como titulares. Segundo o autor, as fundações públicas são criadas efetivamente
para a prestação de serviços públicos, e os bens onde estão sediadas, local
de execução destes serviços, são os bens públicos de uso especial. Apesar de também
não constarem nos artigos da titularidade dos bens públicos previstos na CRFB
de 1988, o mesmo princípio da adequação inclui as fundações públicas.
Em âmbito
infraconstitucional, os bens públicos federais disciplinam-se pelo Decreto-lei
n° 9.760/46, onde estão previstos, entre outros: os terrenos de marinha e
seus acrescidos; as terras devolutas; bens perdidos por condenados; áreas
ocupadas tradicionalmente por índios e por colônias militares; e terrenos que
pertenceram ao domínio da Coroa. Inclusive com a previsão de um antigo
instituto jurídico, a enfiteuse.
A enfiteuse, assim como o
morgado (extinto em 1835, conferia
o direito do filho homem primogênito a herdar as propriedades de seu pai),
compunham o regime de arrendamento de terras, largamente usado no período
imperial do Brasil, quando precisava ser povoado. Tempo em que era necessária a
posse efetiva de terras inóspitas e inexploradas:
Por meio da enfiteuse, o proprietário –um sesmeiro,
originalmente – cedia parte do domínio ao enfiteuta, recebendo em troca o foro
(anual) e o laudêmio, quando da transferência do domínio de um para outro
enfiteuta. Foi a enfiteuse (ou aforamento) caracteristicamente utilizada por
ordens religiosas como fonte de renda (por exemplo, na cidade do Rio de Janeiro
e nas suas cercanias). (BITTAR FILHO, 2000, p.180).
Os grandes proprietários
contavam com os enfiteutas para efetivamente povoarem suas terras, mediante o
pagamento do foro em favor do senhorio, que ao passar dos anos foi quase que
completamente substituído pelo Estado, uma vez que diminuía a necessidade e o
interesse no regime enfitêutico para os bens particulares.
Passando a não corresponder
mais a suposta necessidade social, a enfiteuse foi entrando em completa
obsolescência, a não ser para o contínuo e crescente uso político-eleitoreiro
da distribuição de terras, conforme bem observa
Pontes de Miranda (1971, p. 179), que contrariado pela manutenção do instituto
em nossa Carta Magna, atribui-lhe o título depreciativo de “um dos cânceres da
economia nacional” por ser resultante “de falsos títulos que, amparados pelos
governos dóceis a exigências de poderosos, conseguiram incrustar-se nos
registros de imóveis.”
Este instituto, completamente arcaico e inadequado
à nova realidade fundiária, foi sendo suprimido do ordenamento jurídico
brasileiro. Assim foi no art. 49 da CRFB de 1988:
A lei disporá sobre o instituto da enfiteuse em
imóveis urbanos, sendo facultada aos foreiros, no caso de sua extinção, a
remição dos aforamentos mediante aquisição do domínio direto, na conformidade
do que dispuserem os respectivos contratos. § 3º A enfiteuse continuará sendo
aplicada aos terrenos de marinha e seus acrescidos, situados na faixa de
segurança, a partir da orla marítima. (BRASIL, 1949)
No Código Civil de 2002,
art. 2038, manteve-se a enfiteuse apenas para os terrenos de marinha e
acrescidos, segundo lei especial (Decreto-lei n° 9.760/1946 e Lei nº 9.636/1998). Portanto, a supressão nos
demais casos, mantinha as enfiteuses existentes até a sua extinção, segundo constava
no art. 692 do Código Civil anterior, de 1916.
Os conceitos de afetação e
desafetação aparecem intrinsecamente interligados nos artigos 99, 100 e 101 do
Código Civil Brasileiro, já relacionados no início deste capítulo, e indicam
que afetar um bem público é dar a ele uma
destinação determinada com finalidade pública.
Para Diogenes Gasparini (2012, p. 963) “afetar é atribuir
ao bem uma destinação; é consagrá-lo ao uso comum do povo ou ao uso
especial”. A outra espécie de bem
público, a dominical, é a não afetada, sendo por isso desligada de qualquer
finalidade.
A afetação se dá quando o Estado embute uma destinação
pública ao bem, tornando-o de uso comum da população; ou de uso especial,
quando sua utilização se destina ao uso específico, público, do interesse da
administração.
A afetação e a desafetação de bens públicos, de uso
especial e de uso comum, poderão advir de manifestação explícita, ou decorrer
de conduta da administração, por ato administrativo, ou ainda por lei
específica.
Já a desafetação constitui a retirada da destinação antes
estabelecida a determinado bem público, passando a integrar a classe dos bens
dominiais.
Nesse sentido, Odete Medauar define desafetação como uma
alteração na destinação do bem:
De regra, a desafetação visa incluir bens
de uso comum ou bens de uso especial na categoria de bens dominicais para
possibilitar a alienação. A desafetação pode advir de manifestação explícita,
como no caso de autorização legislativa para a venda de bem de uso especial, na
qual está contida a desafetação para bem dominical; ou decorre de conduta da
Administração, como na hipótese de operação urbanística que torna inviável o
uso de uma rua próxima como via de circulação. ” (2013, p. 281).
A desafetação segue o
caminho inverso da afetação. Para desafetar um bem público é preciso que,
obrigatoriamente, deva se submeter à concordância legislativa, ou ao ato
administrativo justificado materialmente. Desafetado, este bem público torna-se
um bem dominial, suscetível de alienação.
A questão que Diogenes Gasparini (2012) traz, é proveitosa
para o entendimento do caso concreto que o presente trabalho focaliza:
A
alienação de qualquer bem de uso comum ou de uso especial exige prévia
desafetação, posto que essas espécies de bens públicos são inalienáveis. Pode
ocorrer, no entanto, que a Administração Pública obtenha autorização
legislativa para alienar um bem de uso especial, sem que previamente tenha sido
desafetado. Nesses casos, se a alienação acontecer, poderá ela ser acoimada de
ilegal? Cremos que sim, pois descumpriu-se um requisito exigido por lei, e para
esse ato a sanção é, via de regra, a invalidade. Não se pode imaginar como
implícita a desafetação. O mesmo se pode afirmar quanto ao trespasse do uso de
um desses bens para terceiro que por ele se interesse, em caráter privativo. (p.965).
O doutrinador pontua, com muita propriedade, a importância
de que os institutos da afetação e da desafetação sempre passem pelo crivo do
legislativo (federal, estadual ou municipal), como condição necessária para a
regulação patrimonial respectiva, balizando os procedimentos do uso, da
aquisição, da alienação e da administração de seus bens.
Bens públicos não são
suscetíveis de prescrição como sói acontecer com os bens privados. Por isso,
não podem ser adquiridos por prescrição aquisitiva. A tradição clássica
(Direito Romano) legou a premissa “de que os bens do fisco são inalienáveis,
mas imprescritíveis”. (LIMA, 2007, 198-199).
Dito de outra forma, um bem
público imprescritível é um bem não sujeito a ser usucapido. Mesmo que um
terceiro exercite o uso e a fruição de um determinado terreno, a propriedade
não perderá seu domínio. (JUSTEN FILHO, 2013, p. 1128). Portanto, imprescritibilidade
é a característica que todo bem público tem de não ser suscetível a aquisição
por usucapião.
No que tange à
jurisprudência, o assunto foi sumulado (Súmula 340) pelo STF, em Sessão
Plenária de 13 de dezembro de 1963, sobre usucapião de bens públicos: “Desde
a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos,
não podem ser adquiridos por usucapião”. (BRASIL, 2015).
Isto significa dizer que até
01 de janeiro de 1917, quando inicia a vigência do Código Civil de 1916, os
bens públicos não eram imprescritíveis, podendo ser usucapidos.
Na
CRFB de 1988, está previsto:
Art. 183.
Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros
quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para
sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja
proprietário de outro imóvel urbano ou rural. [...] § 3º Os imóveis públicos
não serão adquiridos por usucapião. [...] Art. 191. Aquele que, não sendo
proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos
ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a
cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família,
tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. Parágrafo único. Os
imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. (BRASIL, 1988).
Sobre o tema, cita-se Hely
Lopes Meirelles (2013) que aborda a imprescritibilidade dos bens públicos
cotejando com a inalienabilidade, colocando a primeira como consequência lógica
da segunda:
se os bens
públicos são originariamente inalienáveis, segue-se que ninguém os pode
adquirir enquanto guardarem essa condição. Daí não ser possível a invocação do
usucapião sobre eles. É princípio jurídico, de aceitação universal, de que não
há direito contra direito, ou por outras palavras, não se adquire direito em
desconformidade com o Direito. (p. 610).
Esta afirmação, segundo o
próprio autor, por muito tempo foi contestada, e somente sessou por ocasião de
decretos federais da década de trinta do século passado, e não com o Código
Civil de 1916.
Seguindo a regra geral, César Fiuza (2003, p. 644) destaca que Estado
é impedido de alienar seus bens, a não ser excepcionalmente, dependendo de lei
que autorize a transação. “Pelo fato de serem inalienáveis, os bens públicos
são também inadquiríveis, enquanto durar a inalienabilidade. Destarte, não
serão afetados pela prescrição aquisitiva ou usucapião. ”. E acrescenta que o domínio público patrimonial
sujeita-se ao regime administrativo especial, onde as normas que regem a
propriedade privada, a não ser de forma supletiva, não valem. Concluindo,
completa Fiuza que o domínio patrimonial dos bens públicos está balizado pelos
princípios da imprescritibilidade, inalienabilidade, impenhorabilidade e não
oneração.
Antes de discorrer acerca do
instituto da alienação, faz-se uma prévia e breve citação filológica. A palavra
possui em nosso ordenamento jurídico o sinônimo de “alhear, passar a outrem,
vender, transferir”. (HENRIQUES; ANDRADE,
p.21).
Portanto, a alienação ocorre
quando o titular transfere sua propriedade para outra pessoa, podendo
“consumar-se a título gratuito, como a doação, e a título oneroso, como a
compra e venda. Pode ainda ser voluntária, como a dação em pagamento, e
compulsória, como a arrematação e a desapropriação. ” (MONTEIRO, 2013, p.
211-212).
O autor destaca que o
instante crucial do ato de alienação acontece no registro, quando o imóvel
sai formalmente e por definitivo do domínio patrimonial do alienante
incorporando-se ao do alienatário no cartório de registro de imóveis, com o
registro do título.
A Lei 8.666, de 21 de junho
de 1993, que regulamentou o art. 37, inciso XXI, da CRFB, instituiu normas para
licitações e contratos da Administração Pública, reservando à alienação (art.17,
I) a abrangência de todo o tipo de transferência de bem que é permitido à
Administração fazer, referente aos bens imóveis:
Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública,
subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será
precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas: I - quando imóveis,
dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e
entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades
paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de
concorrência [...] (BRASIL, 1993).
Para Helly Lopes Meirelles
(2012, p. 603) alienar é transferir a propriedade, e esta transferência pode
ser “remunerada ou gratuita, sob forma de venda, permuta, doação, dação em
pagamento, investidura, legitimação da posse ou concessão de domínio”. Ainda
discorre que, qualquer dessas formas pode a administração executar, desde que
haja lei autorizativa, avaliação e licitação do bem a ser alienado.
Portanto, assim
disciplinado, o termo alienação abarca todas as modalidades de transferência
voluntária do domínio de um bem ou direito, e ainda se coloca dependente do
instituto da autorização legislativa.
Antes disso, porém, a
inalienabilidade já era ponto pacífico na doutrina administrativista
brasileira. Segundo Cretella Júnior:
a inalienabilidade
está presente na afetação do bem ou da coisa ao uso público. A afetação é o
elemento essencial da dominialidade pública, característico (sic) que explica e
justifica o regime jurídico excepcional dos bens públicos. É por causa da
afetação ao uso público [...] que o bem público é inalienável, sendo a
disponibilidade desse tipo de bem incompatível com o objeto a que se destina –
o uso público. (1975, p. 31).
Para o doutrinador, somente
com a desafetação o bem público poderá ser alienado, passando a pertencer à
categoria “[...] dos bens in commercio
do direito privado”. E conforme já visto, o bem passa a ser dominial, sujeito a
ser alienado.
Sob o manto de proteção
constitucional da não-onerabilidade, os bens públicos deixam de ser oferecidos
como garantia diante do inadimplemento de obrigações. Assim está previsto no art. 100 da CRFB:
Os pagamentos
devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em
virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica
de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a
designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos
adicionais abertos para este fim. (BRASIL, 1988).
O legislador constituinte
quis oferecer o sistema de precatórios como forma de operação dos pagamentos de
créditos contra a Fazenda, para obliterar a penhora processual sobre bens
públicos.
Sobre o assunto, também se
depara com o ditame legal insculpido no art. 1420, caput, do Código Civil de
2002, onde de forma direta decreta:
Só aquele que
pode alienar poderá empenhar, hipotecar ou dar em anticrese; só os bens que se
podem alienar poderão ser dados em penhor, anticrese ou hipoteca. § 1o A
propriedade superveniente torna eficaz, desde o registro, as garantias reais
estabelecidas por quem não era dono. § 2o A coisa comum a dois ou mais
proprietários não pode ser dada em garantia real, na sua totalidade, sem o
consentimento de todos; mas cada um pode individualmente dar em garantia real a
parte que tiver. (BRASIL, 2002).
Este é o terreno civilista,
cujo foco é o direito privado. Assim, mesmo que o Código Civil habilite a
hipoteca, a anticrese ou penhora sobre bens alienáveis, a supremacia
constitucional garante a não-onerabilidade, ou a não existência desses direitos
reais de garantia sobre bens públicos. O legislador constituinte, no ambiente
do Direito Público, teve a finalidade da proteção dos bens públicos contra
excessos de agentes do Estado que pudessem causar prejuízo ao patrimônio
público.
Para esta situação, ainda
chama a atenção Hely Lopes Meirelles (2012) sobre os bens dominicais e as
rendas públicas, ambos passíveis de alienação, excetuando-se a proteção do
artigo 1.420 do CC, porém ainda sob o viés constitucional da impenhorabilidade,
cita-se:
Restam,
portanto, os dominicais e as rendas públicas. Mas quanto a estes há o obstáculo
constitucional da impenhorabilidade em execução judicial. Se tais bens, embora
alienáveis, são impenhoráveis por lei, não se prestam a execução direta, que é
consectário lógico do vínculo real, que se estabelece entre a coisa e a ação do
credor hipotecário, pignoratício ou anticrético. (p. 611).
Terminantemente, não podem
ser gravados os bens públicos, inclusive os dominicais, com os direitos reais
em favor de terceiros, e por isso jamais objetos de execução direta.
Neste capítulo faz-se um estudo sobre a
situação político jurídica, geográfica e histórica do imóvel denominado Ponta
do Coral, com todas as implicações para o direito – e repercussões sócio
espaciais – especialmente diante de sua alienação última para a iniciativa
privada.
Em função do presente
trabalho ter como um dos objetos a anulabilidade da venda de um bem público,
ocorrida em 1980, sem desafetação, e de sua aquisição (afetação) pelo governo
do estado de Santa Catarina ter ocorrido em 1959, voltar-se-á o olhar mais atento
e focado a partir das constituições federais e estaduais vigentes nesses dois
diferentes atos e momentos.
Portanto, relacionar-se-á
nas constituições republicanas as sucessivas recepções do instituto da
alienação de bens públicos como prerrogativa do poder legislativo, porém sem
antes destacar algumas questões cruciais para o tema, que auxiliará na própria
ambientação pretendida.
Adota-se aqui,
declaradamente, uma descrição sistêmica das constituições, mesmo que ainda não
suficientemente aprofundada nas respectivas contextualizações
histórico-políticas, todavia suficiente para corroborar com o problema
levantado neste trabalho, do qual bastaria um breve comentário
técnico-normativo dos artigos constitucionais.
No entanto, como bem
escreveu, lúcida e acertadamente, o jurista Fábio Konder Comparato:
É muito fácil
comentar textos normativos in abstracto. Basta manter um mínimo de coerência e
a correta interpretação técnica do sentido dos vocábulos. Mas não é por esse
método que se chega, minimamente, a compreender (cum prehendere) o direito
vivo. Dir-se-á que a disposição constitucional de poderes e contrapoderes não é
tarefa jurídica e sim política. Ora, como se a política nada tivesse a ver com
o direito e vice-versa! Como se uma Constituição atuasse no vácuo! (COMPARATO, 2008, p. 106).
A
partir da matriz de um direito vivo, afirma Comparato que, a exemplo de uma
roupa, as constituições possuem um avesso, respectivamente possuidor de
substância e forma. “Contentar-se em analisar unicamente esta última é o mesmo
que verificar a adequação de uma vestimenta a um manequim” (p. 106). Por isso,
para além da análise formal, far-se-á um breve vestíbulo histórico.
O Brasil teve oito constituições ao todo, sendo metade
promulgada, fruto de processo constituinte democrático, correspondente aos anos
de 1891, 1934, 1946 e 1988; e outra metade outorgada, resultante do período
monárquico (1824) e ditatorial, nos anos de 1937, 1967 e 1969.
Tratando especificamente do
constitucionalismo imperial brasileiro, em se tratando de direitos fundamentais
de segunda geração, Paulo Bonavides destaca que:
[...] a Carta do Império de 1824 é precursora; a
Constituição Republicana de 1891 omissa; a primeira fala nos incisos 31,32 e 33
do art.179, de socorros públicos e instrução pública a todos os cidadãos, bem
como de colégios e universidades, ao passo que a segunda silencia a esse
respeito em todas as suas disposições. (2008, p. 19-20).
Revelando este retrocesso republicano, o
doutrinador ainda trata da ousadia dos constituintes monarcas pela escolha de
Benjamim Constant, e não Montesquieu, instituindo o quarto poder, o Moderador,
sendo a única desta espécie no mundo, diferente das outras Constituições das
Américas, que adotaram os três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.
O advogado Cezar Brito, prefaciando a extensa e consistente publicação
da Ordem dos Advogados do Brasil, (2008, p.10) introduz que a Constituição de 1891, primeira
da república, fortemente influenciada por ideias liberais estadunidenses, “não
operou a ruptura da ordem jurídica. O Direito velho projetou-se na nova ordem,
e o direito civil colonial subsiste até 1917, quando foi promulgado o primeiro Código
Civil da República, que vigorou até o início do século XXI”, e a república, sem
as devidas reformas, não avançou nas questões agrárias e educacionais, que até
hoje nos atormentam. E para este
advogado, as estruturas socioeconômicas tiveram suaves mudanças, sem a
profundidade necessária, com a tradição elitista antidemocrática e autoritária
atravessando décadas, incólumes, sucedendo-se nas demais constituições
republicanas, perpetuando a dívida social de um país injusto e desigual.
José Afonso da Silva respalda a Constituição de 1934 como a
mais importante e inovadora de todas, apenas superada pela atual, de 1988. “Pode-se
dizer que o constitucionalismo brasileiro, do ponto de vista do conteúdo
constitucional, se divide entre antes e depois da Constituição de 1934. ” (2008,
p.78). Lamenta os seus curtos três anos
e pouco, motivo pelo qual as inovações não foram concretizadas, apesar de ela
ter impulsionado algumas instituições constitucionais, como as de ordem
econômica e social, assim como o acolhimento a princípios educacionais, culturais
e da família.
Com relação a Carta Constitucional do Estado Novo, de 1937, conhecida
pela alcunha de polaca, por ser inspirada na constituição polonesa, Silva
(2008, p. 79-93) destaca o fortalecimento do Poder Executivo, que detinha o
legislativo em suas mãos, marcando uma constituição justificadora dos atos de
um ditador civil, Getúlio Vargas, governando por decretos-leis e leis
constitucionais. Como exemplo do extremado poder presidencial, Silva relaciona
que a Carta de 37 não previa competência para processar e julgar o Presidente
nos crimes comuns. Da mesma forma, deu-se fim ao federalismo, delegando à
administração dos Estados aos interventores.
Fábio Konder Comparato denuncia a ausência de grandes
mudanças entre as sucessivas ordens constitucionais. Buscando as origens, cita
que, após a Revolução Francesa, Joseph de Maistre dizia que o país se dividira
em dois: o legal e o real. A monarquia não se dissolvera, e os três estamentos
permaneciam na mesma conformação: nobreza, clero e povo. Ou seja, a
radicalidade do período revolucionário, depois da conquista ficou na
superficialidade política. Destacando ser esta a opinião de um autor
aristocrata, Comparato pondera que em parte trata-se de uma consideração
verdadeira:
Uma Constituição não é apenas, como pensaram os revolucionários
norte-americanos e franceses do final do século XVIII, o documento solene que
enuncia o sistema normativo supremo de organização política de um país. Por
trás dessa forma, ou, se se quiser, no lado do avesso, há uma outra realidade,
igualmente normativa, mas que não goza da chancela oficial. Tal como a politéia
dos filósofos gregos, trata-se de algo semelhante a uma Constituição não escrita,
mas nem por isso menos vigente, formada pelos usos e costumes tradicionais, os
valores predominantes na sociedade e o complexo campo dos poderes privados. (2008,
p.95).
O doutrinador expressa com perspicácia o permeio de uma
informalidade poderosa no campo jurídico, que alimenta as relações políticas
determinantes, e que faz com que as mudanças efetivamente pouco ocorram. Ele
usa a abordagem para atribuir um estado de permanência, impregnado de
interesses das classes dominantes. E com esta concepção, afirma que a questão
agrária, o principal ingrediente da organização da sociedade brasileira, até metade
do século passado, foi o que pautou preponderantemente o desenvolvimento da
política e da economia brasileira, de onde as classes sociais foram moldadas. E
a este respeito, conclui:
A Constituição de 1946, em seu art. 156, limitou-se a
reproduzir, com duas alterações, as normas inovadoras da Constituição de 1934
sobre o mundo rural. Uma dessas alterações foi a admissão expressa de que as
terras públicas seriam suscetíveis de alienação e não apenas de concessão de
uso. A outra consistiu em ampliar, de dez para vinte e cinco hectares, a área
rural objeto de usucapião excepcional. Mas no tocante especificamente à reforma
agrária como política global de repartição de terras, a Constituição continha
uma disposição genérica, sem nenhuma força cogente e, pior ainda, inaplicável
[...]. A exigência de pagamento de indenização em dinheiro resultou de emenda
ao texto do projeto original da Constituição, em reação contra as expropriações
de imóveis urbanos, efetuadas no Rio de Janeiro para a abertura da Avenida
Getúlio Vargas, cuja indenização se efetuou em apólices da dívida pública.
(COMPARATO, 2008, p. 103-104).
Ou seja, para o autor está claro que a reforma agrária não se
tratou de um desiderato constituinte, dada a influência dos grandes
proprietários rurais. Permanecendo esta omissão em demanda social reprimida, a
posse de João Goulart – deliberadamente comprometido com uma reforma agrária –
acabou se transformando num dos principais motivos do golpe militar de 1964. E
neste ponto, Comparato localiza uma situação paradoxal, pelo fato de que os
militares emendaram a Constituição de 1946 para possibilitar uma reforma
agrária, a Emenda Constitucional nº 10, de 09 de novembro de 1964, e logo
depois ainda fizeram o Congresso Nacional aprovar o Estatuto da Terra.
A Constituição Federal de 1967, segundo Pedro Lenza
(2015, p.134-136) tem um
perfil autoritário muito parecido com a de 1937. Concentrando sobremaneira o poder na esfera
federal, a Constituição de 1967 promoveu o esvaziamento dos estados e municípios,
estabelecendo irrestritos poderes ao Presidente da República. O Poder
Legislativo, apesar de ter sua competência drasticamente diminuída nos estados
menores, o número de deputados foi aumentado. “O Presidente da República
legislava por decretos-leis, que poderiam ser editados em casos de urgência ou
de interesse público relevante [...]” (p.135).
Sobre Ato Institucional nº 5 (13.12.1968), relaciona o autor:
[...] o famigerado e mais violento ato baixado pela
ditadura, perduraria até a sua revogação pela EC n. 11, de 17.10.1978,
fixando [...] ‘atrocidades’, nos termos de sua ementa: [...] o Presidente da
República poderia decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias
Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por ato complementar em estado de
sítio ou fora dele, só voltando a funcionar quando convocados seus membros
pelo Presidente da República; [...] o Presidente da República, no interesse
nacional, poderia decretar a intervenção nos Estados e Municípios [...] os
direitos políticos de quaisquer cidadãos poderiam ser suspensos pelo prazo de
10 anos e cassados os mandatos eletivos federais, estaduais e municipais [...]
suspendeu-se a garantia de habeas corpus, nos casos de crimes políticos, contra
a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular [...]
finalmente, a triste previsão do art. 11 do AI-5: ‘excluem-se de qualquer
apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato
Institucional e seus Atos Complementares, bem como os respectivos efeitos’ (p.
135-136).
Enfim, ocorre uma triste e traumática institucionalização da
violência estatal, fundada em atos de repressão e cassação às liberdades
democráticas e garantias individuais, agasalhados num conjunto de previsões
constitucionais absolutamente arbitrárias.
A Constituição de 1967 se transforma na Constituição de 1969,
com a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969. E neste ponto faz-se um recorte para melhor compreender o
problema apresentado, objeto deste TCC.
Apesar do recrudescimento do regime de exceção, já ensaiado
na Carta anterior, destaca-se uma ambígua situação que se buscou a partir da
leitura em Pontes de Miranda (1987, p. 313-316), quando faz referência ao
artigo 13, I1I, da Constituição de 1969:
“Art. 13. Os Estados organizar-se-ão e reger-se-ão pelas Constituições e
leis que adotarem, respeitados dentre outros princípios estabelecidos nessa
Constituição, os seguintes: [...] III - o processo legislativo [...] ” (BRASIL,
2015). Neste artigo, onde consta a prescrição obrigatória aos Estados-membros
de um conjunto de regras jurídicas, cabe às Assembleias Legislativas o
reconhecido e legítimo domínio do processo legislativo, cuja Constituição
Estadual tem previsões para a iniciativa legislativa, em consonância às regras
constitucionais federais referentes à elaboração das leis.
Acrescente-se à observação deste doutrinador, para
exemplificar o resguardo – ao menos formal – por parte da Constituição de 1969,
em relação a harmonia dos poderes, na observância a este outro dispositivo:
“Art. 10. A União não intervirá nos Estados, salvo para: [...] VII - exigir a
observância dos seguintes princípios: [...] c) independência e harmonia dos
Podêres [...]” (BRASIL, 2015).
Ou seja, a rigor, a execução de algum decreto de um Poder
Executivo Estadual, dispondo acerca de matéria que deveria ser apreciada pelo
respectivo Poder Legislativo, conforme previsão constitucional daquele Estado,
é um exemplo de quebra do princípio de harmonia e independência dos poderes,
suscetível a um processo de intervenção federal à época.
Antes de citar cada uma das constituições brasileiras do
período republicano, conforme proposta assumida, interessante faz-se destacar
que o instituto da alienação de bens públicos, subordinado ao expediente da
autorização legislativa no Brasil, não começou com a república e sim com a
monarquia: “Constituição Política do
Império do Brazil de 1824 [...] Art. 15. E' da attribuição da Assembléa Geral.
[...] XV. Regular a administração dos bens Nacionaes, e decretar a sua alienação.
” (BRASIL, 1824). Importante ressaltar, no entanto, que esta constituição era
desprovida de capítulo que tratasse de administração, e apenas trazia
dispositivos isolados a respeito. (MEDAUAR, 2013, p. 59).
A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de
24 de fevereiro de 1891): “[...] CAPÍTULO IV. Das Atribuições do Congresso. Art
34 - Compete privativamente ao Congresso Nacional: [...] 29º)
legislar sobre terras e minas de propriedade da União; ” (BRASIL, 1891).
A
Constituição do Estado de Santa Catharina (25 de abril de 1891): “Capítulo II.
Das Atribuições do Congresso. Artigo 24 – Compete ao Congresso Representativo:
[...] VII – Regular a administração dos
bens do Estado e autorisar (sic) a alienação d’elles, quando fôr conveniente ao
interesse público; ” (SANTA CATARINA, 1891).
A Constituição do Estado de Santa Catharina (26 de janeiro de
1895): “Capítulo II. Das Atribuições do Congresso. Artigo 24 – Compete ao
Congresso Representativo: [...] VII – Regular a administração dos bens do
Estado e autorisar (sic) a alienação d’elles, quando fôr conveniente ao
interesse público; ” (SANTA CATARINA, 1895).
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 16
de julho de 1934): “TÍTULO I. Da Organização Federal. CAPÍTULO I [...] Art 17 -
É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] IV -
alienar ou adquirir imóveis, ou conceder privilégio, sem lei especial que o
autorize; [...] (BRASIL, 1934).
Constituição do Estado de Santa Catarina (25 de agosto de
1935):
Capítulo II. Do Poder Legislativo. Seção II. Das
atribuições do Poder Legislativo. Art. 24. - Compete à Assembléia, com a sanção
do Governador, fazer leis, alterá-las e revogá-las e especialmente: [...] 11 -
autorizar a aquisição e a alienação de bens imóveis e, ainda, a desapropriação
por necessidade ou utilidades públicas; ’ (SANTA CATARINA, 1935).
Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de
10 de novembro de 1937):
DA ORGANIZAÇÃO NACIONAL. [...] Art 13 O Presidente da
República, nos períodos de recesso do Parlamento ou de dissolução da Câmara dos
Deputados, poderá, se o exigirem as necessidades do Estado, expedir
decretos-leis sobre as matérias de competência legislativa da União, excetuadas
as seguintes: [...] h) alienação e oneração de bens imóveis da União. (BRASIL,
1937).
A Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de
setembro de 1946, continha previsão acerca de alienação de bens públicos
somente para estimular a permanência das pessoas (pobres e/ou desempregados) no
campo, promovendo a colonização em terras pública, conforme seu artigo 156,
onde no § 2º previa que “Sem prévia autorização do Senado Federal, não se fará
qualquer alienação ou concessão de terras públicas com área superior a dez mil
hectares. ” (BRASIL, 1946).
Constituição do Estado de Santa Catarina (23 de julho de
1947):
[...] CAPÍTULO II. Do Poder Legislativo. [...] Seção
II. Das atribuições do Poder Legislativo. Art. 21. Compete à Assembléia, com a
sanção do Governador, fazer leis, alterá-las, revogá-las e especialmente: [...]
VIII – autorizar a aquisição, alienação, arrendamento e cessão de bens imóveis
do Estado, bem como a desapropriação por necessidade de utilidades públicas ou
interesse social. ” (SANTA CATARINA, 1947)
Constituição da República Federativa do
Brasil (24 de janeiro de 1967):
CAPÍTULO VI. Do Poder Legislativo. [...] SEÇÃO IV. Das
Atribuições do Poder Legislativo. [...] Art 46 - Ao Congresso Nacional, com a
sanção do Presidente da República, cabe dispor, mediante lei, sobre todas as
matérias de competência da União, especialmente: [...] CAPÍTULO V. [...] TÍTULO
III. Da Ordem Econômica e Social [...] VI - os limites do território nacional;
o espaço aéreo; os bens do domínio da União; [...] Art 164 - A lei federal
disporá sobre, as condições de legitimação da posse e de preferência à
aquisição de até cem hectares de terras públicas por aqueles que as tornarem
produtivas com o seu trabalho e de sua família. Parágrafo único - Salvo para
execução de planos de reforma agrária, não se fará, sem prévia aprovação do
Senado Federal, alienação ou concessão de terras públicas com área superior a
três mil hectares. (BRASIL, 1967).
Constituição do Estado de Santa Catarina (13
de maio de 1967):
CAPÍTULO V. Do Poder Legislativo. [...] Seção II. Das
atribuições do Poder Legislativo. [...] Art. 52 – À Assembléia, com a sanção do
Governador, cabe legislar sôbre tôdas as matérias de competência do Estado,
especialmente: VI – a aquisição, alienação, arrendamento e cessão de bens
imóveis do Estado, bem como a desapropriação por necessidade e utilidade
pública ou interesse social; (SANTA CATARINA, 1967)
O artigo 52 foi renumerado pela Emenda n³ 3, de 11 de janeiro
de 1973, passando para o artigo 53, mantendo mesma redação no caput e
suprimindo do inciso VI “[...] bem como a desapropriação por necessidade e
utilidade pública ou interesse social. ” (Anexo).
Constituição da República Federativa do Brasil (com a Emenda
à Constituição de 24 de janeiro de 1967):
[...]
CAPÍTULO II. DA UNIÃO [...] Art. 10. A União não intervirá nos Estados, salvo
para: [...] VII - exigir a observância dos seguintes princípios: [...] c)
independência e harmonia dos Podêres; [...] CAPÍTULO III. DOS ESTADOS E
MUNICÍPIOS. Art. 13. Os Estados organizar-se-ão e reger-se-ão pelas
Constituições e leis que adotarem, respeitados dentre outros princípios
estabelecidos nessa Constituição, os seguintes: [...] III - o processo
legislativo; (BRASIL, 1969).
Constituição da República Federativa do Brasil (5 de outubro
de 1988):
CAPÍTULO I. DO PODER LEGISLATIVO. [...] SEÇÃO II. DAS
ATRIBUIÇÕES DO CONGRESSO NACIONAL. [...] Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: XVII -
aprovar, previamente, a alienação ou concessão de terras públicas com área
superior a dois mil e quinhentos hectares. CAPÍTULO III. DA POLÍTICA
AGRÍCOLA E FUNDIÁRIA E DA REFORMA AGRÁRIA [...] Art. 188. A destinação de
terras públicas e devolutas será compatibilizada com a política agrícola e com
o plano nacional de reforma agrária. § 1º A alienação ou a concessão, a
qualquer título, de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos
hectares a pessoa física ou jurídica, ainda que por interposta pessoa,
dependerá de prévia aprovação do Congresso Nacional. § 2º Excetuam-se do
disposto no parágrafo anterior as alienações ou as concessões de terras
públicas para fins de reforma agrária. (BRASIL, 1988).
Constituição do Estado de Santa Catarina (5 de outubro de1989):
CAPÍTULO III. DOS BENS. Art. 12 - São bens do Estado:
[...] § 1º - A doação ou utilização gratuita de bens
imóveis depende de prévia autorização legislativa. [...] CAPÍTULO II. DO PODER
LEGISLATIVO. [...] Seção II. Das Atribuições da Assembleia Legislativa. Art. 39
- Cabe à Assembleia Legislativa, com a sanção do Governador, dispor sobre todas
as matérias de competência do Estado, especialmente sobre: [...] IX -
aquisição, administração, alienação, arrendamento e cessão de bens imóveis do
Estado; (SANTA CATARINA, 1989)
Outrora conhecida como Ponta do Recife, a
área passou a ser denominada popularmente como Ponta do Coral, após pesquisas
de João Alfredo Rohr, padre jesuíta do Colégio Catarinense, que teria
encontrado corais no local. A área é um acidente geográfico, conformado numa pequena extensão de terra
em forma de ponta (Anexo B), situado em local extremamente valorizado pelo mercado
imobiliário, na Avenida Irineu Bornhausen, na Baía Norte, parte insular do
município de Florianópolis (SC).
Mediante extensa pesquisa em documentação antiga, como
certidões; escrituras; processos administrativos da SPU; Arquivo Público do
Estado de Santa Catarina; Biblioteca Pública; e Gerência de Bens Imóveis (GEIMO),
da Secretaria de Estado da Administração (SC); verificou-se que o imóvel em questão
há décadas é motivo de polêmica e litígio, antes mesmo de estar rodeado pelos
atrativos do mercado imobiliário, e que remanesce de um conjunto de outras
propriedades de posse particular, mas que foram – na década de 30 do século
passado – compradas pelo Governo do Estado de Santa Catarina. Estas aquisições
públicas (afetações) aconteceram deliberadamente para sediar um serviço público
educacional. Destarte, as operações de compras não foram realizadas para o
incremento patrimonial de valorização imobiliária, peculiar a um negócio de
mercado, mas tão somente para consagrar a presença tuteladora do Estado, na garantia
de proteção do interesse público, como vê-se nos princípios constitucionais, e
na reiteração do doutrinador Cretella Júnior (1975), para quem o bem público se
distingue do bem particular em regimes jurídicos diferentes.
No
resgate feito, duas histórias se cruzam: o funcionamento da empresa
estadunidense Standard Oil Company of Brasil, em parte da Ponta do Coral, e a
instalação do Abrigo de Menores, em área contígua vizinha. Um projeto privado,
de venda de combustível para barcos e automóveis, e do outro lado um projeto
público, educativo, de recuperação de crianças e adolescentes.
A Standard, a partir de 1928, começa a
investir no mercado florianopolitano, na distribuição de óleo e gasolina (Anexo
C), quando ainda se encontra sediada no centro urbano da capital, próximo à ponte pênsil Hercílio
Luz, na área do antigo porto da Rita Maria. (WOLFF, 2000, p.9)
Porém, por força de legislação da municipalidade (Anexo A),
que determinava um limite para armazenamento de inflamáveis e explosivos no
perímetro urbano, a Standard viu-se obrigada a se reinstalar em local mais
distante, quando compra 1.500m² na Ponta do Recife (Anexo D), onde
recebe autorização mediante Resolução nº 641, de 27 de outubro de 1929 (Anexo
A) para construir os seus depósitos.
Após oito anos e alguns dias a mesma empresa, pelo mesmo motivo, é
obrigada a encerrar sua operação na Ponta do Recife, diante da revogação da
Resolução anterior, pela Resolução nº 49, de 17 de dezembro de 1937 (Anexo A).
Assim, a Standard impetra Mandado de Segurança, de 10 de janeiro de 1937 (Anexo
A), não aceito pelo Juiz de primeiro grau. Inconformada, a empresa recorre ao
Tribunal de Justiça de Santa Catarina, apelando por direito legal de
propriedade e direitos adquiridos. O recurso também não obtém êxito, conforme
Acórdão do Tribunal de Apelação (Anexo A), de 19 de abril de 1938, conforme
excerto que se reproduz:
CONSIDERANDO – que, em se tratando de localisação de
inflamaveis e explosivos, exerce a poder público chamado poder de policia
(police power), não constituindo, evidentemente, direito adquirido a autorisação,
ou concessão, para a construção de depósito para taes fins, pois que os
direitos e garantias individuaes têm por limite o bem público. (Artº 123 da
Constituição Federal) [...] ‘A legislatura não póde por nenhum contracto
demitir-se do poder de provêr a estes objetos. Elles pertencem estrictamente,
áquella categoria de materiais que exigem a aplicação da máxima – salus populus
suprema lex; e devem ser alcançados e providos pelos meios que á discrição
legislativa parecem apropriados’ (Mc. Clain Cases on Const. Law, 2ª ed. Pags.
1.014-1.015.Rev. Jur. Bras., vol.
1º, pag. 428). Não é outra a doutrina aceita no nosso Paiz[...] (Anexo A)
Este acórdão, redigido pelo Desembargador
Urbano Salles, indeferindo mandado requerido pela multinacional em favor do
interesse público, tem seu lugar na história da magistratura catarinense.
Concomitante ao imbróglio da Standard na Ponta do Recife, o
prédio do Abrigo de Menores estava em construção, sendo que o lançamento da
pedra fundamental aconteceu em 1936. Com a ociosidade da área da Ponta
do Coral, o Governo do Estado compra a área para uso público, a partir da Lei
nº 2.166, de 23 de novembro de 1959 (Anexo E), com o objetivo de destina-la ao
Abrigo de Menores, aproveitando suas benfeitorias (dois pavilhões, uma casa e
um trapiche) para a logística da instituição:
A partir da aquisição por parte do Governo do Estado
da área conhecida como Ponta do Recife ou Coral, que abrigava os depósitos da
Standard Oil Company, foram efetuadas reformas para instalação de uma moderna
lavanderia mecânica, cuja inauguração ocorreu no dia 08 de novembro de 1960,
contando com a presença do Governador Heriberto Hülse, Secretários de Estado e
o Irmão Diretor Urbano Máximo. (MACHADO, 2009, p.102-103).
Desde então, o Abrigo de Menores passou a
utilizar a Ponta do Coral, por legal e justificado interesse público, mediante
afetação por autorização legislativa, conforme previa a Constituição de 1967
(IV, art.52). Portanto, classificada como um bem de uso especial, a área da
Ponta do Coral é destinada a uma finalidade específica, educacional.
Inaugurado
com a presença do Presidente Getúlio Vargas, em 11 de março de 1940, e confiado
à administração da Congregação dos Irmãos Maristas (MACHADO, 2009), o Abrigo
acolhia crianças e adolescentes de famílias muito pobres; alguns eram órfãos,
outros abandonados e também infratores:
A construção do edifício foi efetuada com recursos
oriundos do Governo do Estado – Secretaria da Justiça e do Interior, sob a
responsabilidade técnica da Diretoria de Obras públicas e projeto arquitetônico
de Paulo Mota. Situado na Rua Rui Barbosa, Pedra Grande (atual bairro da Agronômica),
no local onde estava instalada a estação da extinta Companhia de Carris Urbanos e nas
vizinhanças da Estação Agronômica (atual Casa do Governador). O terreno com uma
área de 33.800 metros quadrados foi adquirido por cinquenta contos de réis, e
no orçamento do exercício de 0936 foram repassados 200:000$000 para dar início
a construção do prédio. Em 1938, o governo adquiriu da viúva de Joaquim Costa e
filhos uma área de 88,04 metros de frente, com fundos até a praia ao preço de
35:000$00, bem como um terreno com área de 17.943 metros quadrados ao preço de
90:000$00 na Rua Delminda Silveira e todas as caixas existentes, pertencentes
ao senhor Índio C. Costa e sua esposa. A partir destes acréscimos, a área total
do terreno abrangeu cerca de 90 mil metros quadrados, com 900 metros de
extensão da praia. (MACHADO, 2009, p.24-25).
A denominação de Abrigo de Menores é
modificada para Educandário 25 de Novembro, mediante Decreto nº 8.026, de
12/06/1969 (SANTA CATARINA,1969).
Os irmãos Maristas, após 32 anos
administrando o Abrigo de Menores, em 1973 são desligados das atividades de
coordenação administrativa e pedagógica. A instituição passa a ser administrada
diretamente pela Secretaria de Estado do Serviço Social. (MACHADO, 2009).
A socióloga Rita Brancato Santos (2006, p.
159-160) aborda a falência deste sistema educacional baseado na solução cristã,
que num primeiro momento - na década de 60 - ocorre pela laicização,
influenciada pela ação dos movimentos de educação popular, e depois pelo
Serviço Social tecnicista:
[...] com a criação da FUNABEM que apresentava os
técnicos como os reais conhecedores das necessidades das classes subalternas,
todavia, ainda não estava contemplado o estudo das verdadeiras causas da
pobreza tanto é que ainda sob a égide do governo militar o “Código de Menores”
de 1979 se baseará na doutrina jurídica de “proteção ao menor em situação
irregular. (SANTOS, 2006, p.159-160)
Integrantes do
Governo do Estado declaravam publicamente o interesse na desativação da
estrutura do Educandário, como vê-se na entrevista do Secretário do Trabalho e
Promoção Social, publicada em 22/02/1976, no Jornal O Estado (Anexo F), no qual
publicou que a edificação seria demolida em função desta representar uma forma
ultrapassada para o atendimento ao menor e também em virtude da projetada
Avenida Beira-Mar Norte, que passaria nos fundos de seu terreno, causar o
aumento do valor da área.
De fato, em
1978, a instituição teve sua área separada da Ponta do Coral pela construção da
referida obra viária.
Em 19 de novembro de 1979 (Anexo G), o
Governo do Estado integra, por doação, o terreno da Ponta do Coral ao
patrimônio da Fundação Catarinense do Bem Estar do Menor (FUCABEM).
Em 12 de março de 1980, a FUCABEM ofereceu o
imóvel como garantia de hipoteca (Anexo H) ao Banco de Desenvolvimento do
Estado de Santa Catarina (BADESC), instituição avalista do empréstimo de 132
milhões de cruzeiros junto à Caixa Econômica Federal (CEF).
O objetivo da operação financeira foi a
construção, no município de Palhoça, do Centro Educacional Dom Jaime de Barros
Câmara.
Dezoito dias após esta hipoteca, o prédio
principal do Educandário 25 de Novembro foi destruído por um grande incêndio
(Anexo I), quando as crianças e os funcionários se encontravam em atividade
coletiva, no centro de Florianópolis, como é relatado no artigo de Murilo Silva
(apud MACHADO, 2009, p. 130):
A ausência de uma explicação oficial coerente, além de
nos encher de dúvidas, nos vitimou com a perda de um significativo patrimônio
do Estado. Quem estava lá pode perceber algo estranho no ar, além da fumaça. O
fogo surgiu, meio sorrateiro, no momento tranquilo da ausência de pessoas no
recinto. Naquele tempo não havia rebelião. De onde surgiu então a centelha? O
resultado de um inquérito policial que investigou a criminalidade do incêndio
aumentou o espectro duvidoso que ainda assombra o caso. Apesar dos peritos
terem encontrado no local derivados de petróleo, e da certeza de início de
combustão em mais de um foco, em 7 de abril de 1982, o Procurador Geral do
Estado solicita ao Juiz o arquivamento do caso, e em seguida o Estado recebe o
seguro. [...] A entrada da Ponta do Coral – em 10 de novembro de 1980 – foi
cercada por arames farpados e portões com cadeados. Um mês e seis dias depois,
foi vendida para a empresa Carbonífera Metropolitana, que mais tarde promoveu
algumas ‘benfeitorias` no local, como a derrubada dos pavilhões que abrigavam a
antiga lavanderia do Abrigo de Menores.
Esta sucessão de fatos resultou, conforme
descrito no trecho do artigo acima, na venda da Ponta do Coral para a
iniciativa privada.
No final de 1979 ocorreu a integração da
Ponta do Coral, que já era patrimônio do Estado, ao patrimônio da FUCABEM. No início de 1980, todo o imóvel da entidade
(83.999,30m²) – incluindo a Ponta do Coral –, mais outro imóvel no município de
Palhoça, foi oferecido como garantia de hipoteca ao BADESC.
A área total da Ponta do Coral é de
14.950,71 m², e resulta da incorporação de três áreas, de propriedade da União,
tendo como ocupante a empresa Nova Próspera Mineração, sediada no município de Criciúma
(SC). Cada uma dessas áreas, correspondem às seguintes metragens, visualizáveis
no mapa (Anexo J): Área nº 1: Terreno alodial com 3.3000,50 m²; Área nº 2:
Terreno da marinha com 8.657,20 m²; e Área nº 3: Destinada à aforamento com
3.002,01 m².
Buscando a origem de cada uma dessas áreas, chegou-se a um levantamento completo da
atual configuração fundiária do imóvel Ponta do Coral, que comprova ser este,
na sua integralidade (14.950,71 m²), resultante da alienação de bens públicos,
sem a devida desafetação, conforme exigia (Anexo K) a Constituição Estadual de
1967 (VI, art. 53), vigente no período em que a área foi vendida, exigência
recepcionada pela Constituição Estadual de 1989 (IX, art. 39), atualmente em
vigor. Ambas em consonância com as respectivas constituições federais.
Corresponde a um terreno alodial, com matrícula nº 12.906
(Anexo L), registrado em 14 de agosto de 1980 pela FUCABEM, com área de
3.300,50 m². Em 16 de dezembro de 1980, este imóvel foi vendido para a Empresa
Carbonífera Metropolitana S.A., pelo preço de Cr$ 20.227.932,91, que em 27 de
setembro de 1991 vendeu para a Nova Próspera Mineração S/A pelo preço de Cr$
80.000.000,00. Dois dias depois, o imóvel é dado em 1ª e especial hipoteca à
Caixa Beneficente dos Empregados da Companhia Siderúrgica Nacional, CBS, com
sede em Volta Redonda (RJ), para garantia da dívida de Cr$ 4.000.594, e em 17
de julho de 2001 foi averbado auto de penhora e depósito, extraído da Ação de
Execução nº 1.974/96, contra a Nova Próspera.
Ao buscar-se a origem mais remota desta área, obteve-se a
informação de que seu registro anterior pertencia à matrícula nº 4830 (Anexo H)
de um terreno de 83.999,30m², de propriedade da Fazenda do Estado de Santa
Catarina, que havia transferido integralmente, por doação, para a FUCABEM, em
25 de outubro de 1977. Esta área de 3.300, 50m² foi separada da área maior (83.999,30m²),
quando da abertura da Via de Contorno Norte. Mais tarde, sem a metragem referente a esta área separada e
vendida para a iniciativa privada, e também sem a área tomada pela obra do
contorno norte, a FUCABEM, em liquidação, devolveu ao Estado apenas os
76.208,80m² que restaram (Anexo H).
Corresponde a um terreno de marinha, incurso em comisso, com matrícula nº 14648 (Anexo M),
registrado em 20 de fevereiro de 1981, pela proprietária, Carbonífera
Metropolitana S.A., com área total de 8.657,20 m².
Em 26 de setembro de 1991 o imóvel é vendido para a Nova
Próspera Mineração, que no dia seguinte também é oferecido em 1ª e especial hipoteca
à Caixa Beneficente dos Empregados da Companhia Siderúrgica Nacional, para
garantia da dívida de Cr$ 4.000.594.799,84.
Da mesma forma que a área n°1, em 17 de julho de 2001 foi
averbado auto de penhora e depósito, extraído da Ação de Execução contra a Nova
Próspera.
Esta área resulta da reunião dos imóveis das matrículas nº
10391; nº 10639; e nº 10641, ocorrida em 20 de fevereiro de 1981. As
mencionadas matrículas, por conseguinte, foram todas encerradas.
Este imóvel, de 1.500 m² (Anexo D), lavrado no Livro 3-A, fls
337/338, sob n° 197, em 17/01/1930, denominado Ponta do Recife, é o mesmo onde a
Standard Oil Company of Brasil teve que encerrar a atividade com os
depósitos de gasolina e óleo, em função da Resolução nº 64, da
Prefeitura, e que em 1959 foi vendido
para o Governo do Estado, com autorização legislativa (Lei nº 2.166/59),
destinado ao Abrigo de Menores, e que em 19 de dezembro de 1979 doou para a
FUCABEM, segundo consta no mesmo documento anexo supracitado.
Mas, como o anterior, de 3.300,50m², correspondente à área n° 1, teve o mesmo destino:
vendido para a iniciativa privada, a “ser utilizado para Hotel e Complexo
Turístico”.
Tratava-se “de uma pequena chácara [...], fazendo frente a chácara que foi de
João Maria Vieira e fundos com quem de direito, confrontando em ambos os lados
com quem de direito [...]” (Anexo N), que a Standard, depois transformada em
Esso Brasileira de Petróleo S/A, adquiriu de João Batista Sabino, em 17 de
janeiro de 1930, por 25.000$000 (vinte e cinco mil contos de réis).
Conforme pode ser constatado (Anexo O), este imóvel, terreno
de marinha, de propriedade da União, e tendo como foreira, incurso em comisso,
a Fazenda do Estado, possui área de 3.802,42 m². Foi comprado pelo Estado e
doado para a FUCABEM, que vendeu para a Empresa Carbonífera Metropolitana em 16
de dezembro de 1980.
Este imóvel, de 3.354,78 m² (Anexo P), é também um terreno de
marinha, de propriedade da União, e tinha como foreira, incurso em comisso, a Fazenda
do Estado. Igualmente, comprado pelo Estado e doado para a FUCABEM, o imóvel
foi vendido (pelo preço de CR$ 541.220,00) para a Empresa Carbonífera Metropolitana em 16 de dezembro
de 1980.
.
Conforme matrícula nº 14647 (Anexo Q), este
terreno – como a maioria – também é de marinha, requerido pela FUCABEM por
aforamento. Com área total de 3.002,01 m², o imóvel, assim como os demais foi
vendido (este pelo preço de CR$ 18.444.038,00), em 16 de dezembro de 1980, para
a Empresa Carbonífera Metropolitana S.A. Também, na mesma data que os demais, o
imóvel foi vendido para a Nova Próspera Mineração, que no dia seguinte também é
oferecido em 1ª e especial hipoteca à Caixa Beneficente dos Empregados da
Companhia Siderúrgica Nacional. Portanto, a área também está averbada com auto
de penhora e depósito, extraído da Ação de Execução contra a Nova Próspera.
Não se vislumbra a possível nulidade da venda do bem público
Ponta do Coral, objeto deste trabalho acadêmico, pela perspectiva civilista, mas
sim a partir do quadrante constitucional, de onde se obtém o corolário
administrativista.
Cediço que a Administração Pública é regida pelo Direito
Público e está subordinada aos princípios de Direito Administrativo,
precipuamente aos princípios previstos constantes do artigo 37, caput, da CRFB de 1988, e, hoje, sob
plano legal, no artigo 2º da Lei nº 9.784/99: legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade, eficiência, devido processo legal, razoabilidade,
proporcionalidade, segurança jurídica, isonomia e motivação. E também, conforme já visto, todos resultam
da conjugação da supremacia e indisponibilidade do interesse público,
relativizados pelas ponderações constitucionais acerca dos direitos
fundamentais, sistematizados a partir do Estado democrático de direito, do
princípio republicano e da dignidade da pessoa humana.
Não se admite, portanto, soluções de Direito Privado, mas,
soluções que estejam conformadas no Direito Administrativo, resguardadas pelos
ditames constitucionais.
Nesta perspectiva de Direito Público, viu-se com bastante
frequência nos capítulos anteriores, no diálogo entre os principais doutrinadores
brasileiros, que os bens públicos diferem fundamentalmente dos bens
particulares e, por isso, ambos sujeitos a regimes jurídicos diferentes.
Como assinalou Cretella Júnior (1975, p.20), “porque se os
bens particulares, de que cuida o direito civil, estão subordinados a regime
jurídico de direito privado [...], os bens públicos, cogitados pelo direito
administrativo, estão sob impacto de regime jurídico de direito público [...].
”.
E a tutela deste impacto pertence ao Estado, para que se
garanta o uso geral ou especial público, “suscetíveis de relações patrimoniais,
reguladas pelo direito comum, mas com aspectos disciplinados pelo direito público.
”.
Para melhor gravar esta especial chancela pública, que
diferencia do universo civilista, atualiza o mesmo autor:
O direito
administrativo e o direito constitucional lidam com coisas públicas, ‘bens
públicos’. A definição de coisas e bens, suficiente para o campo do direito
privado, é insuficiente para o campo do direito público, porque este setor do
direito lida com bens extra commercium, que
não fornecem utilidade econômica [...] (2000, p. 555).
Inegavelmente para Cretella, assim como os demais
doutrinadores administrativistas, bens públicos, primordialmente, não podem ser
úteis ao comércio. Enquanto afetados pela destinação pública, mesmo que
integrante da riqueza pública, o fim proposto na afetação torna-o
exclusivamente afeito a um uso público e insuscetível à comercialização de
qualquer ordem.
Não poderia ser diferente a abordagem do presente estudo, sob
a ótica do direito administrativo, focando a alienação de um bem público sob o
impacto do regime jurídico de direito público, e não por capricho acadêmico,
mas por coerência com o histórico legal da área até aqui exposta e seu cotejo
com as Constituições Estaduais de 1967 e de 1989.
Como visto anteriormente, a
Constituição do Estado de Santa Catarina de 1967, que vigorava ao tempo em que
ocorreu a venda da Ponta do Coral, previa a necessidade da autorização
legislativa para alienar bens públicos (VII, art. 53), assim como a atual, promulgada
em 1989, dispõe do mesmo modo, em seu art. 39, inciso IX.
O Governo do Estado de Santa Catarina,
ao arrepio da Constituição Estadual de 1967, pavimentou o processo de venda do
imóvel Ponta do Coral baseado num amálgama infraconstitucional, que aparentemente
revestiu o ato de aceitável legalidade, a partir da aprovação da Lei nº 5.704,
de 28 de maio de 1980, já citada neste trabalho, e que dispunha sobre
aquisição, alienação e utilização de bens imóveis, revogando a Lei nº 4.893, de
29 de junho de 1973. Inovou no §3º do art. 3º, quando determinou que “A alienação dos bens imóveis doados pelo
Estado às fundações por ele instituídas depende de decreto autorizativo.”.
Esta determinação desconstituiu o
instituto constitucional da autorização legislativa, na medida que utilizou as
fundações donatárias de imóveis públicos, como uma espécie de duto
autorizativo, dispensador da anuência do Poder Legislativo, o que se demonstra
pelo presente trabalho como uma superficial aparência de legalidade, sem qualquer
lastro constitucional.
O ato que deu efetividade à Lei nº 5.704/80 (Anexo R) , foi o Decreto nº 11.708, de 29 de julho de 1980 (Anexo S) que
autorizou a FUCABEM a alienar os 14.959,71m² da Ponta do Coral, recebidos por
doação do Estado de Santa Catarina.
Referido Decreto, em seu preâmbulo, escora-se na competência
privativa constitucional sancionadora (art.93, ítem III),
de expedir decretos e regulamentos para a fiel execução da lei, o que não se
mostra juridicamente viável, pois uma competência geral, atribuída ao
Chefe do Executivo Estadual, antes de começar a alienar por decreto bens doados
a fundações, já usava em harmonia com a atribuição do Poder Legislativo na
autorização de alienações de bens públicos.
No seu art. 2º justifica:
O produto da alienação a que se refere este Decreto será
empregado na implementação do Centro de
Bem Estar do Menor, em construção no Município de Palhoça e destinado ao
atendimento do menor desassistido e sua família. (Anexo S )
Assim, autorizada por decreto a
efetuar a venda de parte de seu patrimônio recebida por doação do Estado, a
FUCABEM publicou a Portaria nº 040 (Anexo T), em 1º de outubro de 1980, com
aviso de licitação para recebimento de
propostas dos interessados a adquirirem o imóvel da Ponta do Recife, que
“segundo normas da Prefeitura Municipal, somente poderá ser utilizado para Hotel e Complexo Turístico”.
Embora o regime jurídico
administrativo requeresse autorização legislativa específica para alienação de
bem público, a Lei nº 5.704/80 deixou de exigir tal autorização para o caso de
bens doados a fundações instituídas e mantidas pelo poder publico, sendo,
entretanto, aprovada, promulgada, regulamentada e jamais contestada.
Apesar de ainda permanecer em
vigor, pesquisando nos decretos autorizativos de 1980 a 2015 observou-se que a
alienação da Ponta do Coral foi o primeiro e último caso em que o seu §3º, Art. 3º foi usado para a venda de bens
públicos de fundações.
Como exemplo, cita-se a Lei nº 14.318, de 15 de janeiro de 2008,
que autorizou o Poder Executivo a alienar, por venda ou permuta, diversos
imóveis, entre estes: “ [...] XVI - o Edifício ‘Palácio da Indústria’, onde se
encontra instalada a Fundação do Meio Ambiente – FATMA, [...] avaliado em R$
2.940.000,00 (dois milhões, novecentos e quarenta mil reais).” (SANTA CATARINA,
2008).
Ainda sobre a Lei nº 5.704/80,
pesquisou-se a tramitação do Projeto de Lei nº 37/80 (Anexo U), do qual esta se originou, observando-se crucial
dissonância entre o que orientou o legislador e o que efetivamente fez o
Executivo na aplicação da legislação.
Nota-se na exposição de motivos
assinada pelo governador esta dissonância:
Colheu-se a oportunidade,
outrossim, para regular o recebimento de bens imóveis mediante dação em
pagamento nos casos de débitos fiscais e a subsequente alienação desses bens,
no sentido de, no mais curto espaço de tempo, monetarizar esse patrimônio, propiciando
o ingresso de recursos financeiros. Assim, na elaboração do projeto,
procurou-se: [...] c) explicitar que se está a disciplinar apenas a alienação de bens imóveis não afetados; (grifo nosso)
[...] Face a relevância da matéria [...] solicito [...] seja o mesmo apreciado
no prazo de 30 (trinta) dias, eis que lhe atribuo caráter de urgência. ( Anexo O ).
Ou seja, a exposição de motivos,
peça fundamental de apresentação e esclarecimento de um Projeto de Lei, onde o
Chefe do Poder Executivo lavra a justificativa da matéria legislativa, faz-se
referência apenas ao disciplinamento de “alienação de bens imóveis não
afetados”, apesar da lei resultante ter sido usada para alienar bem afetado.
O Projeto de Lei nº 37/80 ingressou na Comissão de Justiça no dia 29 de
abril de 1980, se transformando em lei 29 dias depois. Foi então aprovado por
unanimidade em todas as comissões, bem como no plenário do parlamento estadual.
A este respeito, permite-se retomar a colaboração do doutrinador
catarinense, José Sérgio da Silva Critóvam (2015, p.322), quando trata de uma
certa manipulação da doutrina da supremacia do interesse público, ao assumir
uma dimensão ideológica hostil, personificando o interesse público, distante do
humanismo ou do compromisso: “[...] com a construção de um Estado social e
democrático de direito, mas do visível propósito da manutenção de um Estado
patrimonialista, amplamente aparelhado por interesses egoísticos dos
verdadeiros ‘donos do poder’.”
Importante ainda acrescentar duas
outras questões referentes à Lei nº 5.704/80,
além da inconstitucionalidade já apontada no §3º do Art. 3º.
O caput do artigo 3º da Lei nº 5.704/80, disciplina que: “A alienação
de bens dominicais
(grifo nosso) do Estado [...]” .
Como já visto, os bens
dominicais, ou disponíveis, são aqueles desprovidos de qualquer destinação, sem
afetação de propriedade por qualquer órgão público, adequados para utilização,
alienação ou para o trespasse a qualquer pessoa, física ou jurídica, que
estiver interessada. (GASPARINI, 2012, p. 962).
Além da indevida (des)autorização
legislativa para alienação de bens públicos doados a fundações, a Lei nº
5.704/80 fundamentou o Decreto nº 11.708/80, para a alienação de um bem não
dominical (ou dominial), que é a Pontan do Coral, um bem de natureza
nitidamente pública e afetado ao uso especial, portanto, inalienável.
Como visto no capítulo anterior,
a configuração fundiária deste imóvel é formada por incorporações de
terrenos que resultaram nesses 14.950,71 m², agora alienados, só que advindos
de doações pelo Governo do Estado ao patrimônio da FUCABEM e, desta forma, bens
públicos de uso especial, notadamente afetados para o serviço assistencial de menores em condições socialmente
vulneráveis.
A pesquisa debruçada sobre documentos da época, jornais periódicos citados
e trazidos como anexo, demonstram que, de fato, a área estava sob domínio e
utilização pelo Estado de Santa Catarina, por meio de uma de suas entidades
integrantes da Administração indireta do Poder Executivo, assim, jamais se
poderia tratar a área simplesmente como dominial.
A segunda questão relevante, refere-se ao §2º do mesmo artigo constante da
Lei Lei nº 5.704/80, que assim estabelece: “Preferentemente à doação, o Estado outorgará concessão de direito real de uso.”
(grifo nosso).
O instituto da concessão de direitos reais de uso de bens públicos é
tratado no artigo 7º do Decreto-Lei nº 271, de 28 de fevereiro de 1967:
É instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares,
remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real
resolúvel, para fins específicos de urbanização, industrialização, edificação,
cultivo da terra, ou outra utilização de interesse social. (BRASIL, 1967)
O art. 7º deste diploma recebeu
nova redação, dada pela Lei nº 11.481, de 31 de maio de 2007, onde
acrescentou-se aos fins específicos, sem retirar nenhum dos já existentes: a
regularização fundiária de interesse social; o aproveitamento sustentável das
várzeas; e a preservação das comunidades
tradicionais e seus meios de subsistência. Ou seja, o legislador deu
maior amplitude ao instituto da concessão de direito real de uso, atribuindo
maior força ainda ao quesito “interesse social”.
Para Diogenes Gasparini (2012, p. 1004-1005), este instituto de concessão
não é aplicável a bens móveis e nem a imóveis construídos. Entre as diversas
condições de outorga, é necessário que o terreno esteja desafetado.
Cita o doutrinador exemplos de leis estaduais que prescrevem a concessão de
direito real de uso, em substituição à doação e venda, que se fosse comumente
utilizada evitaria-se o esbanjamento e a depreciação do bem público.
Na mesma quadra, José dos Santos Carvalho Filho (2015, p. 1221-1223)
acrescenta que este instituto tem característica contratual administrativa,
onde o Poder Público confere ao adquirente um direito real resolúvel,
correspondente à finalidades de interesse social incidentes em terrenos
públicos. Ilustra objetivo dos fins da concessão, da seguinte forma:
A concessão de direito real de uso salvaguarda
o patrimônio da Administração e evita a alienação de bens públicos, autorizada
às vezes sem qualquer vantagem para ela. Além do mais, o concessionário não fica livre para dar ao uso a
destinação que lhe convier (grifo nosso), mas, ao contrário, será obrigado
a destiná-lo ao fim estabelecido em lei, o que mantém resguardado o interesse
público que originou a concessão real de uso. (CARVALHO FILHO, 2015, p. 1223).
Fica cristalina a concessão, operando por uma especial salvaguarda
patrimonial de interesse público. Por isso, segundo o autor, quando o Estado
concede o mesmo direito para órgão público ou alguma pessoa jurídica administrativa,
dispensa-se processo licitatório, fundamentado na certeza de que esses órgãos,
diferente da iniciativa privada, não dependem da competitividade, e de que o
lugar comum e óbvio é de atividade de interesse público.
Esses são os fins específicos do instituto colocado como condição para
doação, previsto no §2º, Art.3º da Lei nº 5.704/80.
Quando o legislador prevê a
outorga da concessão de direito
real de uso aos imóveis doados, ocorre o condicionamento de sua utilização,
o que não foi previsto no Decreto nº 11.708/80, que autorizou a FUCABEM a
alienar a Ponta do Recife, colocando-a no comércio do mercado imobiliário.
A título meramente
exemplificativo, cita-se que o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina
mantém entendimento pacífico acerca da utilização do instituto da concessão de
direitos reais de uso, preferencialmente ao da doação, ou mesmo da venda:
Quando o incentivo envolver a disponibilização de bens
imóveis públicos (terrenos) a particulares (pessoas físicas ou jurídicas),
deve-se privilegiar o emprego do instituto da concessão do direito real de uso,
por melhor resguardar o interesse e o patrimônio públicos, mediante lei
autorizativa, onde também disponha sobre as condições da concessão, inclusive
sobre o vínculo às atividades para as quais houve a concessão, prevendo a
reversão do bem para o Município após o transcurso do prazo da concessão ou
quando não mais sejam atendidas as condições da concessão, devendo estar
demonstrado o interesse público, evitando-se a doação de bens imóveis públicos
a particulares, por não atender aos princípios constitucionais da moralidade e
da impessoalidade. (SANTA CATARINA, TCE)
Somente esta condição
desconsiderada já seria motivo suficiente para anular o ato de sua venda, por
desvio de finalidade.
5.4
O DECRETO
Nº 11.708/80: UM ATO ADMINISTRATIVO NULO, COM O EFEITO EX-TUNC E A
CONSEQUENTE REVERSÃO DO BEM PÚBLICO DENOMINADO PONTA DO CORAL, AO PATRIMÔNIO DO
ESTADO
Afinal, o decurso do tempo elimina a ilegalidade
administrativa? Ocorrem efeitos jurídicos provenientes de ato nulo?
As respostas para estas questões encontram-se no
desenvolvimento da preleção que se faz neste item capitular, onde relevantes
discrepâncias entre doutrinadores fundamentam respostas igualmente
discrepantes, expondo notória situação de discussão paradigmática,
indubitavelmente nada pacificadora.
Segundo preleciona Cretella Júnior (2000), os atos administrativos
são espécies de atos jurídicos, típicos do direito público, e de caráter
unilateral.
A bilateralidade dos atos administrativos, neste caso,
somente se atribui aos contratos, e, segundo o doutrinador, quando alcançam a
realidade do direito privado, se pautam pelo acordo de vontades. Editados pelo
Estado, a partir de seus agentes, no exercício regular de suas funções, cuja
finalidade primeira, em matéria administrativa, é a criação, a modificação, o resguarde,
o reconhecimento ou a extinção de situações jurídicas subjetivas.
Uma dessas espécies de ato administrativo, segundo o autor, é
o decreto. “Decisão, em sentido estrito, do poder executivo e de outras
autoridades executivas, verdadeiro ato que cria, modifica ou extingue direitos,
envolve o decreto conceito específico, ao contrário de resolução que envolve
conceito genérico. ” (CRETELLA, 2000, p. 245).
Concordando com Cretella sobre o conceito de ato
administrativo, Diogenes Gasparini (2012) acrescenta ao conceito de decreto, as
características instrumentalizadas de atos concretos (declaração de utilidade
pública, como exemplo) e atos abstratos (normativos), e, em relação ao requisito de
finalidade que se impõe aos atos administrativos, preceitua:
Não há ato administrativo
sem um fim público a sustentá-lo. O ato administrativo desinformado de um fim
público e, por certo, informado por um fim de interesse privado é nulo por
desvio de finalidade. [...] É o que se
chama de desvio de finalidade genérico. Ademais, não pode o agente público
praticar um ato visando o fim inerente a outro, mesmo que ambos sejam de sua
competência e abriguem um interesse público. O ato administrativo que inobserva
esta exigência é nulo por desvio de finalidade. É o que se chama de desvio de
finalidade específico. (p.115).
Finalidades que devem corresponder ao efetivo propósito do
interesse público anunciado, sem desvios.
Ao escrever sobre teoria das
nulidades, Marçal Justen Filho (2013) apregoou que no campo do direito
administrativo ainda não existe uma teoria constituída, mas um processo de
construção, de onde emergem três dificuldades: a ausência de um Código de Direito
Administrativo; a ausência de uma regulação uniforme; e a presença de uma
influência não democrática.
Sobre a ausência do Código, o
autor destaca que “Algumas leis contêm regras sobre a matéria (Lei das
Licitações, Lei do Processo Administrativo Federal). Mas não há uma
sistematização ampla dos casos de nulidade e das soluções aplicáveis. ” (p.
435).
Acerca da segunda dificuldade,
Justen Filho atribui ao direito administrativo a responsabilidade pela emanação
de matérias por demais heterogêneas, que tornam ainda mais difícil a regulação
das nulidades. Sobre a terceira, da influência não democrática, o autor
reafirma o que dele já se reproduziu no presente trabalho, com outras palavras,
de que por vezes a atuação estatal reflete uma suprema vontade do governante.
Porém, esse doutrinador, como
viu-se, um defensor de que atos administrativos devem ser convalidados pelo
tempo, uma vez que geraram direitos, e por isso não devem ter nulidades
declaradas, já ponderou de que o caso concreto relativiza
os princípios da segurança jurídica e da boa-fé́. E é isto que vai
determinar a imprescritibilidade ou não do direito.
E sobre a imprescritibilidade, Elody Nassar (2008) lembra a
CRFB de 1988, que no seu § 5º, art. 37, normatiza a imprescritibilidade das ações
de ressarcimento, contrastando com o princípio da segurança jurídica:
O entendimento de que as ações de ressarcimento
seriam imprescritíveis, sem limites temporais, ainda que em defesa do
princípio da indisponibilidade do patrimônio público, está a merecer maior
sustentação por parte da doutrina e da jurisprudência. As exigências de uma
ordem pública impõem que se declare que os direitos patrimoniais são
prescritíveis. (p. 375).
A preocupação maior deste doutrinador é que os princípios
gerais de direito devam ser pensados e aplicados diante da inconsistência das
normas, ou, na ausência de textos normativos justos, em defesa da equidade. Já
que a prescrição, norma sancionadora contra a inércia do autor, priva-o de
um direito, à luz da excepcionalidade dos casos, o melhor é alcançar a solução
mais justa, que sirva de acautelamento à ordem pública ou social.
Marcos Bernardes de Mello (2015), lavra que apenas será
decretada a nulidade de um ato, se este demonstrar prejuízo. O ato jurídico nulo é, segundo o
autor, inegavelmente ineficaz. Apenas aparentemente é possuidor de eficácia:
aquele que ‘adquiriu’
um imóvel através de contrato de compra e venda nulo e o utilizou, na
verdade, juridicamente não lhe adquiriu o domínio. A sua posse no bem é de
ser presumida de boa-fé, como efeito mínimo do negócio jurídico nulo, mas
sem justo título. Decretada a nulidade do ato jurídico, geralmente, não há
necessidade de desconstituir os seus ‘efeitos’, porque a aparência
simplesmente se desfaz. (p.280).
Ainda orienta os remédios adequados para cada caso. Para o campo do
direito público, indica que existem variações de acordo com a espécie do ato.
No caso como ato lesivo ao patrimônio público indica a ação popular, e a
ação civil pública "quando o ato afeta o meio ambiente, o patrimônio
histórico, cultural, turístico ou, ainda, direitos transindividuais nas
relações de consumo [...]” (MELLO, 2015, p. 299).
Contribuinte de uma reflexão sobre a invalidade dos atos
administrativos, Celso Bandeira de Mello (2004), numa escrita bastante direta,
define que esses atos administrativos são inválidos por conta de não estarem na
conformidade das prescrições jurídicas.
Também a invalidade não pode ser graduada. “Ato algum em
direito é mais inválido do que outro. Todavia [...] a ordem normativa pode
repelir com intensidade variável [...] estabelecendo, destarte, uma gradação no
repúdio a eles. ”. (423). E justamente aqui, segundo o autor, nesta
diferenciação dada às intensidades da repelência, que se distinguem os atos
nulos dos anuláveis. No caso das anulações, Bandeira de Mello (2004) descreve
os efeitos da invalidação:
consistem em fulminar o ato viciado e seus efeitos,
inúmeras vezes, atingindo ab initio, portanto
retroativamente. Vale dizer: a anulação, com frequência, mas não sempre, opera ex tunc, isto é, desde então. Fulmina o
que já ocorreu, no sentido de que são negados hoje os efeitos de ontem. Isto
significa recusar a validade ao que já se passo. (p. 426).
E porque nesta pesquisa se considera – da ótica do direito
público e não do direito privado – a tese da nulidade, busca-se, por indicação
do próprio Bandeira de Mello, um reforço em Miguel Seabra Fagundes à melhor
compreensão acerca da inadequada adesão automática à teoria civilista das
nulidades.
A sanção ao ato que infringiu a ordem jurídica, para o
Direito Privado tem o objetivo de restaurar o equilíbrio prejudicado, e de
outro lado, “No Direito Público já́ se apresenta com uma função muito diversa.
O ato administrativo, em regra, envolve múltiplos interesses. Ainda quando
especial, é raro que se cinja a interessar a um só indivíduo. Há quase
sempre terceiros cujos direitos afeta. ”.
(FAGUNDES, 1967, p. 250).
Esta citação implica no exercício de uma reflexão. Nesta
dimensão se apregoa o cuidado com a anulação a atos administrativos, uma vez
que envolvem múltiplos interesses. A perda de direitos, por exemplo, pode
residir na perda, pelo povo, de um patrimônio público. Porém, o autor quer
demonstrar que existe uma ausência na sistematização da produção teórica do
Direito Administrativo, e que a isto se atribui a um turvamento à teoria das
nulidades.
Discorrendo sobre a controvérsia doutrinária, José dos Santos
Carvalho Filho (2015) considera oportuna a conclusão de Seabra Fagundes, com
relação a ausência desta sistematização, o que obriga-se recorrer à legislação
civil, mas com o devido reconhecimento às dificuldades da adaptação.
Diz o autor que a dicotomia nulidade x anulabilidade,
sustentada pelo direito privado, emprestada ao direito público, merece uma
abordagem semelhante ao que Bandeira de Mello identificou, conforme destacamos
anteriormente, como graus de intensidades de repelência ao ato. “É exatamente a
diferença quanto ao repúdio que conduz à classificação de atos nulos e anuláveis.
” (CARVALHO FILHO, 2015, p.156).
O autor identifica duas teorias antagônicas no Direito
Administrativo: a dualista e a monista. Se incluindo na primeira, Carvalho
Filho explica que é possível a convivência com os efeitos da anulabilidade e da
nulidade, admitindo que exista uma regra geral para os vícios graves, onde a
nulidade melhor se aplica, ficando a anulabilidade como exceção:
Sem dúvida é o interesse público que rege os
atos administrativos, e tais interesses são indisponíveis como regra. Apenas quando
não houver reflexo dos efeitos do ato viciado na esfera jurídica de terceiros é
que se poderá admitir seja convalidado; a não ser assim, forçoso seria aceitar
que a invalidade possa produzir efeitos válidos. (p. 157).
Na teoria monista não se aplica a comentada dicotomia, onde o
ato é inválido ou válido. Assim, da invalidade por vício de legalidade,
produz-se os efeitos do ato nulo. Adeptos a este pensamento, segundo o
doutrinador, encontram-se Diogenes Gasparini, Sérgio Ferraz, Hely Lopes
Meirelles, entre outros.
Apesar de admitir a nulidade do ato, San Tiago Dantas (1979) manifesta
apreensiva cognição aos efeitos que acarreta. Se refere às circunstâncias de
fato, que geraram situações jurídicas, efetivamente responsáveis por efeitos:
O ato jurídico, sendo nulo, não produz efeito de
espécie alguma; todos os seus efeitos se dissolvem ex tunc, desde o momento em
que se tenha sido decretada a nulidade. Há, entretanto, efeitos jurídicos que
parecem decorrer de um ato nulo e que nós precisamos examinar com cautela
[...] (p. 332).
Ainda sobre o poder de revisão de atos nulos, destaca-se
trecho do parecer exarado nos autos de mandado de segurança, pelo Ministério
Público, cuja impetrante, perante a Comarca de Porto Alegre (RS), era beneficiária
de pensão previdenciária por óbito de seu pai, em 1973, então servidor
público estadual. Há 27
anos ela vinha recebendo o benefício, cassado por ilegalidade em 2000, requeria
a continuidade, mas não teve êxito, alegando a ofensa a princípios
constitucionais, especialmente o direito adquirido e o ato jurídico perfeito:
Nestas a insigne autoridade coatora ratifica a
legitimidade de seu proceder, todo ele escorado na lei, eis que a impetrante
não preenche os requisitos para ser beneficiária de pensão da autarquia
previdenciária estadual, uma vez que a mesma tem mais de 21 anos, sendo apta a
trabalhar. (Revista de Direito Administrativo, 2001, p. 412-413)
O julgado resultou mantida a decisão anterior, do cancelamento da
pensão. O parecer do ministério público reproduziu a súmula 473 do Pretório
Excelso, que em Sessão Plenária de 03/12/1969 sumulou a validade da anulação
pela administração de seus próprios atos ilegais.
Além disto, o mesmo parecer, para corroborar fundamentação,
colheu parcial citação de Hely Lopes Meirelles (2012), usada quase que
integralmente no capítulo 3 do presente trabalho, quando se tratou da imprescritibilidade
dos bens públicos, a qual se reabilita ipsis
litteris para esta finalização capitular:
se os bens públicos são originariamente inalienáveis,
segue-se que ninguém os pode adquirir enquanto guardarem essa condição. Daí não
ser possível a invocação do usucapião sobre eles. É princípio jurídico, de
aceitação universal, de que não há direito contra direito, ou por outras
palavras, não se adquire direito em desconformidade com o Direito. (p. 610).
Conforme já lhe foi atribuído, Hely Lopes Meirelles é adepto
à teoria monista no Direito Administrativo, e por isso dispensa a dicotomia dos
civilistas que classifica atos nulos e anuláveis. Para Hely o ato é inválido ou válido, e
quando inválido produz-se os efeitos ex
tunc do ato nulo. Portanto, a máxima – anteriormente destacada e
identificada – de que “não se adquire direito em desconformidade com o
Direito”, aplica-se adequadamente à imprescritibilidade dos bens públicos, que
jamais poderá ser colocada em risco.
O ato nulo, para este doutrinador, advém de uma afetação
originária de vício insanável, e enquanto tal é ilegal ou ilegítimo, não
produtor de quaisquer efeitos. Porém, esta nulidade, enquanto não for
declarada, não dá razão a qualquer particular afirmar que determinado ato seja
inexequível, “mas essa declaração opera ex
tunc, isto é, retroage às suas origens e alcança todos os seus efeitos
passados, presentes e futuros em relação às partes, só se se admitindo exceção
para com terceiros de boa-fé, sujeito às suas consequências reflexas. ” (MEIRELLES,
2012, p. 184).
Comentando a convalidação de ato administrativo permitida no
art. 55, da lei federal 9.784/99, faz Hely Lopez Meirelles (2012) admitir a
revisão sua posição adotada em textos anteriormente escritos sobre o assunto, mas
com ressalvas:
Todavia, continuamos a não aceitar o chamado ato
administrativo anulável no âmbito do Direito Administrativo, justamente pela
impossibilidade de preponderar o interesse privado sobre o público e não ser
admissível a manutenção de atos ilegais, ainda que assim desejam as partes,
porque a isto se opõe a exigência da legalidade administrativa. (p. 184).
Observa que até é possível ocorrer a conversão de ato
administrativo ilegal, mas somente se for na aplicação para outro negócio
jurídico, no qual os requisitos legais possam ser válidos. Mas para isto,
segundo o autor, a rigor nem poderia ser chamado de convalidação de ato nulo ou
anulável, porque consistiria em mera readequação ou aproveitamento.
Após trabalhado o tema, sempre delimitado no campo do Direito
Público, pôde-se chegar a respostas precisas, mesmo que ponderadas pela
aquiescência de que algumas não encontram uma correspondência uniforme no
Direito Administrativo.
Entretanto, o assunto trazido ofertou um conjunto de evidências,
que permitiram habilitar premissas seguras entre doutrinadores respeitáveis,
assim como entre normas infraconstitucionais, jurisprudências e respaldadas
pela ordem constitucional vigente, estadual e federal, e dos diversos períodos
em que se problematizou a questão.
O Direito Administrativo baseia seu regime jurídico
específico no fundamento de interesse público, que é concebido como supremo e
indisponível.
Este fundamento deve ser relativizado para guardar
conformidade com o modelo Constitucional democrático e social adotado pelo
Estado Brasileiro, nos termos da CRFB/1988.
A relativização a que se refere o capítulo 2 deste trabalho
monográfico está pautada no princípio Republicano, no Estado Democrático de
Direito, na garantia dos direitos fundamentais e, finalmente, na Dignidade da
Pessoa Humana.
O regime jurídico dos bens públicos confere a estes máxima
proteção, expressada na (in) alienabilidade, ou alienação na forma da lei,
imprescritibilidade, impenhorabilidade e, não onerabilidade, não importando
para a aplicação dessas regras protetivas a natureza ou afetação do bem.
As proteções de imprescritibilidade e inalienabilidade devem
estar conectadas não somente à proteção
direta do patrimônio público, como objetos ou coisas da Administração, mas, com
a proteção de um interesse público maior, qual seja, o uso e gozo desses bens
considerados como de interesse público, diretamente pela população, sendo dever
do poder público garantir o seu pleno uso.
Caracterizou-se a área denominada Ponta do Coral como bem
público, onde fez-se diversos recortes argumentativos, baseados em farta
documentação, demonstrando a sua afetação na legislação e nos fatos. A partir
deste ponto, delimitou-se em que condições o imóvel poderia ser alienado.
Focou-se num estudo político
jurídico comentado, baseado nas constituições federais e estaduais republicanas
do solo pátrio, de onde se verificou a constância receptiva do instituto da
autorização legislativa. E, a título de curiosidade, demostrou-se que até na
monarquia este instituto já era prerrogativa parlamentar.
Com este levantamento, proporcionado pela pesquisa histórica,
político jurídica e fundiária da Ponta do Coral, aprofundou-se na doutrina
administrativista o exame acerca da possibilidade da declaração da nulidade do
ato que ensejou sua alienação (venda pública).
De forma concisa, observou-se que a venda deste bem público
se enquadrou no que a doutrina do Direito Administrativo classifica de vício
insanável, afetado em sua origem, uma vez que a norma insculpida na
Constituição do Estado de 1967 foi desconsiderada, especialmente no que regrava
em relação à necessária autorização legislativa.
Indubitavelmente a inalienabilidade do bem público denominado
Ponta do Coral foi sobrepujada sem o necessário ritual de desconsagração legal,
que somente com o Poder Legislativo Estadual poderia acontecer, levando à sua
desafetação.
Observações incautas poderiam repelir esta afirmação, advertindo que a Lei
nº 5.704/80, base legal do ato de venda da área em questão, o Decreto nº 11.708/80, é a autorização legislativa requisitada.
Esta lei, conforme visto, normatiza a venda de bens
dominiais, não afetados, não se aplicando, portanto, à Ponta do Coral, que é um
bem de uso especial, e, enquanto tal, exigível que tivesse sua venda exclusivamente
autorizada pelo Poder Legislativo. Além disto, também se apontou que o mesmo diploma prevê a outorga do
instituto da concessão de direitos reais de uso de bens públicos, o que não foi considerado pelo referido decreto.
Enfim,
a questão é que a supremacia do interesse público, entendida como interesse
coletivo social, com esta ação ilegal, do ato de venda, foi promovida por um
governo absorto no período anterior à abertura política, em completa ausência
do diálogo e de sensibilidade para auscultar legítimas aspirações de
importantes setores sociais.
Pode
supor-se que a inconstitucionalidade aqui verificada, ocorrida em um período de
exceção, seria prontamente apontada, já no instante de sua tramitação
legislativa ou da publicação do Ato Administrativo de sua alienação, se fosse
hoje, diante do Estado Democrático de Direito, uma vez que a área da Ponta do
Coral já era objeto de polêmica, em virtude de seu popular uso para o
entretenimento, equivalente a uma praça ou parque.
Destarte, a presente pesquisa tratou do flagrante
vilipendiamento de um dispositivo constitucional, inerente à autonomia dos
poderes, que no caso concreto dispensou a consulta e a autorização do Poder
Legislativo.
A partir dos parâmetros aqui
levantados e estudados, da localização dos limites e dos efeitos criados pelo
ato alienante, sustentou-se que se tratou de um ato nulo, e como tal, não
produtor de efeitos. Por conseguinte, referida anulação resultará na reversão
do bem público Ponta do Coral ao patrimônio do Estado de Santa Catarina.
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