sábado, 26 de abril de 2014

Editais para Projetos Sociais



Não é de hoje que se ouve que há mais recursos disponíveis para investir em boas iniciativas do que projetos com boas iniciativas para recebê-los. As vezes ações acontecem com muita criatividade e esforço comunitário,  mas por não terem um mínimo organização administrativa, perdem oportunidades de ouro. A cada ano, multiplicam-se fundos compostos por dinheiro privado e público, no Brasil e no exterior, para investir em iniciativas sócio-culturais e em empreendimentos diversos. 

Somente para terem uma ideia, listei algumas dessas oportunidades, expressas em editais, e a maioria ainda no prazo para inscrições, e alguns requerem o domínio da língua inglesa. Aqueles ujo prazo está terminando, faço um observação inicial. 

Vejam quais são, logo mais abaixo, os editais nas áreas da cultura, meio ambiente, tráfico humano, juventude, saúde, mulheres e democracia.

Quem sabe você ou alguém envolvido com um sério trabalho ainda não conheça. E se não conseguir classificação desta vez, pelo menos fica uma experiência acumulada para oportunidades futuras, que anualmente aparecem.

Boa pesquisa e bom trabalho.

Murilo Silva 



RELAÇÃO DOS EDITAIS


Fonte da imagem: http://anapaulafitas.blogspot.com.br
- Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN): Edital, lançado todos os anos, consiste no Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade 2014, em reconhecimento às ações de preservação do patrimônio cultural brasileiro, para iniciativas de excelência em técnicas de preservação e salvaguarda do Patrimônio Cultural, e para iniciativas  de promoção e gestão compartilhada do Patrimônio 

Informações completas acesse aqui


- Projetos Sociais de Leitura; Bolsas de Fomento à Literatura; Prêmios “Boas Práticas e Inovação em Bibliotecas Públicas”, “Leitura Para Todos” e Circuito Nacional de Feiras de Livros e Eventos Literários: Editais do Ministério da Cultura, através da Diretoria de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (DLLLB) e da Secretaria do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), para o apoio em iniciativas de fomento à leitura e à produção literária.
Informações completas acesse aqui ( somente até dia 02/05/2014)


- Prêmio Funarte de Composição Clássica: Edital da Fundação Nacional de Artes – Funarte, com o objetivo de selecionar 37 composições inéditas para solistas, orquestras, conjuntos instrumentais e/ou vocais, que terão estréia mundial na XXI Bienal de Música Brasileira Contemporânea, em outubro de 2015. 

Informações completas acesse aqui

- Quintas no BNDES: Edital do BNDES, que recebe de 25 de março a 09 de maio, inscrições para o concurso de escolha dos espetáculos de música que farão parte do projeto Quintas no BNDES na temporada 2014/2015. O objetivo do concurso é a contratação de 79 espetáculos de música brasileira, em trabalhos individuais ou coletivos, que já tenham demonstrado consistência, originalidade e potência criativa em trabalhos anteriores, independentemente de já estarem inseridos numa dinâmica produtiva regular, com acesso consolidado a canais de difusão existentes. Os espetáculos selecionados deverão se encaixar em três gêneros e três categorias.

Informações completas  acesse aqui (encerramento em 09/05/2014) 



Natura Musical: Edital da Natura, cujo objetivo é a a valorização da música brasileira. Se você é apaixonado por música e tem um projeto que representa a música brasileira e sua diversidade, aproveite. Serão aceitas iniciativas de reconhecida excelência artística e relevância cultural e que representem o pré-requisito base de Natura Musical: valorizar a música que tem origem na essência da brasilidade, mas que dialoga com os sons do mundo. 

Informações completas acesse aqui



Prêmio de Inovação Intercultural: Edital da  Aliança de Civilizações das Nações Unidas (UNAOC) e o Grupo BMW, que tem o objetivo de selecionar projetos locais altamente inovadores que promovam o diálogo e o entendimento interculturais e representem contribuições cruciais para a paz e a prosperidade. Podem candidatar-se ao prêmio as organizações sem fins lucrativos, ativas nas áreas da migração e integração, sensibilização intercultural, educação para a cidadania intercultural, grupos específicos (religiosos, mulheres, jovens e meios de comunicação). As organizações devem ter experiência comprovada na gestão de projetos interculturais, e devem ter por objetivo aumentar o seu campo de ação.  

Informações completas:acesse aqui (prazo encerra dia 01/05/2014)



Prêmio Educação para a Paz: Edital cujo objetivo é o reconhecimento de indivíduos e organizações que atuem e contribuam para a área de educação para a paz. Os participantes devem fazer parte de programas ou iniciativas que representem uma ferramenta para o aumento da conscientização do impacto que a educação para a paz tem nas pessoas.  
O prêmio é de 20 mil dólares, por volta de 44 mil reais. As organizações que pretendam participar devem indicar o líder da organização, ou representante relacionado com a área em questão. Desde 2007, ano de inicio do Prêmio, que, apesar de as organizações serem convidadas a participar, apenas inviduos foram premiados. O formulario de inscrição deverá ser preenchido em inglês.

Informações completas acesse aqui






Fundo Acelerador de Inovações Cívicas: Edital da Avina Americas, Fundación Avina e Omidyar Network,  com o objetivo de fomentar o desenvolvimento de projetos de software livre de carácter cívico, especialmente em áreas urbanas.   Para o desenvolvimento ou adaptação de software será dada preferência a licenças de software com código aberto. Só em casos excepcionais serão apoiados o desenvolvimento de software proprietário, sendo necessário que cumpram com fins sociais e os requisitos do serviço de renda interno (IRS) dos Estados Unidos.Entre as temáticas apoiadas estão: mobilidade urbana sustentável, gestão de resíduos sólidos (reciclagem), monitoramento de serviços públicos na área da educação e da saúde nas cidades, acompanhamento das eleições nas cidades, monitoramento do orçamento público, monitoramento do impacto ambiental e gestão das águas, monitoramento de compras públicas e monitoramento do poder legislativo. Poderão participar todas as organizações legalmente constituídas em qualquer país da América Latina. 

Informações completas acesse aqui


- Prêmio Empreendedor Social: Edital que visa valorizar empreendedores com mais de 18 anos, que liderem iniciativas inovadoras há pelo menos três anos de acordo com os princípios da sustentabilidade, com impacto na sociedade e políticas públicas. E ainda, para o Prêmio Folha Empreendedor Social de Futuro, podem se candidatar empreendedores de até 35 anos que lideram projetos mais recentes, de um até três anos. 
Informações completas: ( o prazo deste encerra dia 27/04/2014...Corra!!!)

Informações completas acesse aqui





Fonte da imagem: www.cnbb.org.br



- Cáritas Brasileira:  Edital para apoio a organizações e movimentos que tenham projetos relacionados com o tema da Campanha da Fraternidade da Igreja Católica deste ano “Fraternidade e Tráfico Humano”. Os projetos aprovados receberão de 10 mil a 60 mil reais, dependendo do perfil. Recursos do Fundo Nacional de Solidariedade, que é composto por 40% de toda arrecadação da Coleta Nacional da Solidariedade, realizada em todas as dioceses, paróquias e comunidades durante o Domingo de Ramos. Os outros 60% da coleta permanecem em suas dioceses de origem e compõem os Fundos Diocesanos de Solidariedade. 

Informações completas acesse aqui



                                                    




- Demokratie & Dialog: Edital de uma organização alemã  que é financiado pela Fundação Open Society. Voltado para organizações da sociedade civil que trabalhem com a temática de políticas públicas de juventude podem receber um auxílio de até dez mil dólares (cerca de 19 mil reais) para desenvolver e hospedar uma página na internet dentro do portal Iniciativa Jovem. Não há uma data limite para envio das propostas, que devem ser escritas em inglês, e considerar a duração de um ano para o projeto financiado.


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Fonte da imagem: http://www.silvaesouza.com.br


- União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN): Edital  para o financiamento de projetos de aquisição de terras, pela IUCN, para organizações que pretendam adquirir extensões territoriais de florestas para conservação e gestão sustentável de áreas ameaçadas. O financiamento total é de no máximo 85 mil euros, cerca de 270 mil reais. O formato de apresentação de propostas da IUCN é simples, consistindo num pré-projeto de duas a três páginas, porém escrito em inglês.

Informações  completas: acesse aqui (prazo encerra dia 01/05/2014)


- Programas Ambientais: Edital da Fundação Waterloo que recebe propostas para dois programas ambientais: o Programa Florestas Tropicais e o Programa Marinho. O foco do Programa Marinho são iniciativas de trabalho para deter o declínio das populações de peixes que as comunidades nos países em desenvolvimento dependem. O Programa Florestas Tropicais envolve iniciativas de proteção às florestas tropicais, onde é valorizada a sua importância para o clima, comunidades e biodiversidade, principalmente através do combate ao desflorestamento.

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Fonte da imagem: http://gloritacajaty.com.br

- Programa Grand Challenges Explorations: Edital que promove a inovação na pesquisa em saúde global. A Fundação Bill & Melinda Gates está investindo US$100 milhões para incentivar a inovação na pesquisa da saúde global.O programa de financiamento está aberto a qualquer pessoa de qualquer disciplina, de alunos a professores titulares, e de qualquer organização - faculdades, universidades, laboratórios governamentais, instituições de pesquisa, organizações sem fins lucrativos e empresas com fins lucrativos. Os tópicos que estão recebendo idéias são: Inovações nos sistemas de prestação de contas e de feedback em projetos de desenvolvimento agrícola; Novas maneiras de trabalhar junto: estratégias de integração de serviços de saúde já existentes para aumentar o alcance e os benefícios de intervenções comunitárias em doenças tropicais negligenciadas; Ferramentas e modelos inovadores para apoiar intervenções em distúrbios entéricos; Promoção de comportamentos saudáveis; Explorar novas maneiras de medir o desenvolvimento cerebral fetal e de crianças com até 1 ano de idade; Os projetos bem sucedidos têm a oportunidade de concorrer a um financiamento adicional de continuidade de até US$1 milhão.





Informações completas acesse aqui (encerramento do prazo em 05/05/2014) 





Fonte da imagem: http://ordemlivre.org/

- Geração de Emprego e Renda para Mulheres: Edital do Instituto das Lojas Renner, destinado às organizações privadas e sem fins lucrativos, que operam projetos que visam contribuir para a capacitação das mulheres a partir da aquisição e/ou desenvolvimento de habilidades que facilitem o ingresso no mercado de trabalho. As organizações devem apresentar projetos com mulheres que: contribuam para a aquisição e/ou desenvolvimento de habilidades e facilitem o ingresso no mercado de trabalho através da capacitação profissional; que fomentem o empreendedorismo e formas associativas para a produção e/ou prestação de serviços; e que apoiem mecanismos de inserção no mercado de trabalho. 

Informações completas acesse aqui

domingo, 20 de abril de 2014

O TSE e seu propagado equívoco

(Texto de Murilo Silva, escrito em 18/04/2014, exclusivamente para este blog)



A Constituição Federal e a Lei nº 4.737, de 15.7.1965 (Código Eleitoral), conferem competências ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), expressas nas funções essenciais de consolidação do exercício da democracia.  No entanto, é preciso que se faça um alerta acerca de uma grave distorção que vem ocorrendo nas campanhas publicitárias do próprio órgão máximo da justiça eleitoral. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade estão sendo vilipendiados pelo órgão que deveria justamente agir como uma corte e não como um partido. Precisa-se fazer uma análise rigorosa desta reflexão, e para isto citarei dois exemplos bem objetivos, demonstrando um tribuno equívoco.

Na campanha do TSE para as eleições em 2008, enredos bem humorados, como o da abelha no ouvido do trabalhador – entre outros filmes - sempre terminavam com um recado em off: “Quatro anos é muito tempo, principalmente quando as coisas não vão muito bem”. Esta mensagem foi flagrantemente nociva aos candidatos que tentavam a reeleição ou que eram apoiados por determinado mandatário do executivo. Serei intencionalmente redundante, até para despertar que o óbvio nem sempre é tão óbvio assim: O TSE ocupou horários nobres com essas veiculações, dizendo em alto e bom som, com qualidade técnica e cênica, que “Quatro anos é muito tempo, principalmente quando as coisas não vão muito bem”. Percebe-se agora a tomada de posição e o grave erro de intervenção parcial na realidade política?

Pois bem, os anos se passaram e o TSE repete o grave erro, agora em 2014, com a campanha “Mulher na Política”, lançada em sessão solene do Congresso Nacional, realizada no Plenário do Senado no último dia 19 de março. Tudo bem que existe toda uma lógica tendente ao consenso, de que a mulher precisa ocupar mais espaço na política. O artigo 10, §3º, da Lei 9.504/97 estabelece regra que garante a cota eleitoral de gênero. Alterado pela reforma eleitoral de 2009 (Lei 12.034/09), o dispositivo dispõe que o partido ou coligação deve preencher o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo.

Portanto, uma regra que assegura o pluralismo político, disciplinando a participação de mulheres e também de homens na política, não se vinculando a nenhum dos sexos, como de fato deve ser uma legislação promotora da diversidade.  

Assim, finalizando nosso raciocínio precípuo, o TSE desvia novamente de suas atribuições e exorbita de sua competência constitucional, quando vem ocupando horários nobres com veiculações, de forma influente e impressiva, “bombardeando” o mote, sempre clamado por uma mulher: ”Até quando vamos deixar que eles falem por nós? A nossa voz precisa ser ouvida.”

Infelizmente, o TSE toma posição, como se agremiação política fosse, colidindo com o papel supremo de uma corte, intervindo parcialmente na realidade política. Apesar de que possível justificativa possa apontar o objetivo do filme publicitário como sendo de incentivo à mulher candidatar- se a cargos eletivos, é óbvio que incentiva o eleitor a votar em candidaturas femininas. E essas candidaturas poderão ser, conforme definido pela legislação, na proporcionalidade de 30% a 70%.  

Finalizando, reitero a importância das mulheres ocuparem o espaço da política, principalmente diante dos dispositivos adotados pelos partidos, como o PT por exemplo, que preenche as vagas com 50% para cada sexo. No entanto, continuará sendo desproporcional o alcance e o resultado da mensagem do TSE, -- neste caso, quando estimula o eleitorado a votar em mulher -- ferindo o princípio da publicidade, e passando por cima dos ditames de um Estado Democrático de Direito. 


sábado, 19 de abril de 2014

Encenação

(Texto de Murilo Silva, como Presidente do Fórum Cultural de Florianópolis, publicado em 18/01/2010, no Diário Catarinense, p. 08)


Foto de Caio Antônio
O Teatro-Invisível, vertente do Teatro do Oprimido criado pelo saudoso Augusto Boal, teve início na Argentina para driblar a ditadura. Encenar “sem ator” consiste a magia do invisível. Em Florianópolis a encenação é do opressor, protagonizada pelo executivo, em coadjuvância com o legislativo. Comentarei apenas uma: O Defeso da Bacia do Itacorubi.

Um prefeito, mesmo contando com esmagadora maioria de vereadores obedientes, ao encaminhar um projeto é inesperadamente esmagado. Quatro disciplinados parlamentares votam a favor do derrotado prefeito, que aponta com uma mão a poderosa força da especulação imobiliária, e com a outra tranca na gaveta um decreto em favor do povo.

Vamos agora dar visibilidade a este teatro. Os quatro fiéis escudeiros, favoráveis ao defeso da Bacia do Itacorubi, semanas antes aprovaram a alteração do zoneamento da área da penitenciária, pertencente à mesma Bacia. Os demais, não todos, agradaram os poderosos, e ainda aproveitaram para posar de independentes do executivo. Poucos, fora da encenação, votaram contra o projeto em função de um parágrafo que dava absurdos poderes à Prefeitura: aprovar qualquer construção de interesse social, como um shopping e seus prometidos empregos. Por fim, o decreto que o prefeito não apresentou, respaldado pelo Plano Diretor, poderia suspender por seis meses as construções na Bacia do Itacorubi, dando chance ao debate e à reflexão.

Ao espectador deste insalubre espetáculo – o cidadão oprimido, sem água e  planejamento, engarrafado no carro veloz ou espremido no ônibus – só resta  uma saída: assumir o protagonismo da encenação.  
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Carcereiros e déspotas


(Texto de Murilo Silva, como Presidente do Fórum Cultural de Florianópolis, publicado no Diário Catarinense, em 26/12/2009, p. 10)

Pintura de Richard Marchand
Fonte da imagem: http://www.fragmentosdeumavirgula.com.br/


O DC publicou matéria sobre a área que hoje abriga o complexo penitenciário de Florianópolis. Quase ao final, encontramos a afirmação do vereador Gean Loureiro, sobre o “interesse político de entidades culturais e comunitárias”, que lutam para que a área não seja vendida à construção de prédios comerciais e residenciais, mas que seja integralmente transformada num abrigo de cultura, de lazer e de equipamentos sociais.  

Que outro interesse motivaria as entidades, senão o político? Talvez porque não exista uma política cultural séria em Florianópolis, assim como no Estado? Será esta uma reflexão natalina, elaborada ao pé de uma árvore que deixou o Papai Noel vermelho de vergonha? E que interesse motivou o voto dos vereadores que aprovaram a alteração do zoneamento da área da penitenciária? Interesse público?  É verdade que, com isto, não aprovaram a sua venda, mas “apenas” a tornaram mais atraente aos gordos olhos do mercado imobiliário.

Recomendaria ao jovem parlamentar a leitura do livro “Vigiar e Punir: nascimento da prisão”, do filósofo Michel Foucault, onde se encontra uma análise científica, amplamente documentada, acerca dos métodos coercitivos, adotados pelo poder público na repressão da delinquência. “Um déspota imbecil pode coagir escravos com correntes de ferro; mas um verdadeiro político os amarra bem mais fortemente com a corrente de suas próprias ideias; é no plano fixo da razão que ele ata a primeira ponta (...) o desespero e o tempo roem os laços de ferro e de aço, mas são impotentes contra a união habitual das ideias, apenas conseguem estreitá-la ainda mais; e sobre as fibras moles do cérebro funda-se a base inabalável dos mais sólidos impérios.”, sabiamente escreveu Foucault.

Senhor vereador Gean, por favor, não subestime a inteligência de nosso povo. Não façamos a política do carcereiro, usando correntes de ferro, mas sim a política das ideias baseadas na razão e na liberdade.  Daqui a pouco, sem tempo e espaço para apartes, estaremos todos encarcerados entre prédios e carros, afundando na lama cega da arrogância, misturados à lama fétida do esgoto.


Mambembes do asfalto

(Texto escrito por Murilo Silva, Filósofo e animador cultural, publicado no jornal Notícias do Dia, em 23/07/2009, p. 06)
Fonte da imagem: http://divagacoessolitarias.blogspot.com.br/

Vejo o acender da luz sobre o palco, adornado de faixas brancas e pretas. Nas poltronas, uma platéia impaciente, vestida em armaduras de lata, com os pés emborrachados. O artista, um olho no equilíbrio outro no olhar da audiência, exibe sua graça repetitiva. Escravo do tempo da sinaleira, o malabarista nem sempre consegue a bilheteria desejada. 

Pois bem, a Prefeitura de Florianópolis quer acabar com o espetáculo, perseguindo os perigosos mambembes, ameaçadores da paz e da ordem. “A maioria deles são de fora”, dizem os administradores do Paço Municipal, que tanto vendem a imagem da linda Floripa, lá fora. 

Não faz muito tempo, placas encravadas no barro dos canteiros, cinicamente exibiam o alerta da prefeitura "Quem dá esmolas não dá futuro." Chega de hipocrisia. Tirem, isto sim, as crianças das sinaleiras e os esmolentos profissionais. Usem os serviços de assistência social e apresentem alternativa de trabalho e renda. A permanência dos mesmos completa o escárnio da miséria. E aquelas placas, agora em menor número, me fazem lembrar a tradicional e enjaulada recomendação zoológica para que não dêem comida aos animais.

Assistindo os malabares, pago satisfeito. Às vezes não pago, somente sorrio. Outras vezes, nem sorrio, apenas paro e passo. E os gnomos, inofensivos artistas da polis, continuam ali, apenas trabalhando. 

A insensatez da prefeitura me faz lembrar do conto “Um Artista da Fome", de Franz Kafka, onde o protagonista, o jejuador, era um artista que ficava dias sem comer, dentro de uma jaula forrada de palha. O espetáculo era jejuar diante dos olhos curiosos do povo. Kafka expõe a indiferença diante do sofrimento da dor. E o espetáculo cessa com a morte do artista: “ Pois bem, limpem isto aqui! – ordenou o fiscal. Enterraram o artista da fome, com palha e tudo. Em seu lugar, puseram uma jovem pantera. Até mesmo as pessoas mais insensíveis acharam agradável ver o animal selvagem pulando na jaula que durante muito tempo tão lúgubre parecera.” 

Nesta ilha paradisíaca, o palco será para uma jovem pantera panfleteira, a serviço – quem sabe – de alguma imobiliária. 

Prefeito, o dinheiro é meu. E por favor, respeite o direito de livre expressão dos artistas de rua, garantido no ordenamento jurídico brasileiro. 

Propaganda enganosa

(Texto escrito por Murilo Silva, que foi animador cultural, concursado, da Fundação Franklin Cascaes, de 1987 a 1989, e assessor de marketing cultural de 1993 a 1996; O Artigo foi publicado no Diário Catarinense, em 31/01/2009, no Caderno de Cultura, e teve grande repercussão, ajudando no processo de "separação administrativa"- e política -  entre cultura e turismo).
Fonte da imagem: http://www.pmf.sc.gov.br/entidades/franklincascaes/

Os vereadores de Florianópolis apreciaram um conjunto de matérias enviadas pelo prefeito Dário Berger. Entre elas, uma proposta de reforma administrativa, propagandeada como a solução para melhorar os serviços e enxugar a estrutura. O agrupamento das fundações de cultura e esporte à Secretaria Municipal de Turismo, Cultura e Esportes (Setur), compõe parte das medidas. Segundo o prefeito, essas áreas promovem ações complementares, com sobreposição de atribuições, levando a trabalhos em duplicidade. Temos aqui três grandes problemas: o agrupamento das fundações à estrutura de uma secretaria, a submissão de ambas ao turismo e um conjunto ilegalidades aí pendentes.
Somente ignorando as peculiaridades do esporte e da cultura, podemos encontrar alguma relação de complementaridade com o turismo. E a sobreposição apontada, nada mais é do que a contraditória ausência das parcerias e a desarticulação das áreas, ausentes de ações planejadas a médio e longo prazo. Na verdade, o que precisa é ser colocado em prática a inter-relação entre os setores, fundamental para o funcionamento sistêmico e exitoso da máquina pública. E no rol de prioridades aparece a área da educação, onde a cultura e o esporte encontram espaços fundamentais para a execução de ações duradouras a partir de eventos, pesquisas e oficinas. 
     Espero que as autoridades esportivas se pronunciem a respeito. Quanto à cultura, arrisco dizer que seu pretendido retorno à Setur causará conseqüências danosas ao setor. Artistas e produtores culturais desta cidade não poderão assistir calados a esta operação equivocada, contrária à razoabilidade da administração pública e aos interesses da população. Os vereadores, representantes legítimos e guardiões desses interesses, não podem aprovar este retrocesso. Não existe razão que justifique a subordinação da Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes à Setur.

Apesar da apresentação de um documento aos vereadores, com mais de duzentas assinaturas – entre artistas, produtores culturais, intelectuais e entidades – formalizando a solicitação de uma emenda para a retirada da cultura do âmbito da Setur, a insensibilidade de nossos representantes aprovou a matéria sem nenhuma alteração. Restou apenas uma vaga e imprecisa promessa do executivo municipal, de que   a Franklin Cascaes teria a sua autonomia garantida, registrada em declaração de voto por um dos parlamentares.
Como quem não acredita na felicidade do belo canto autônomo do passarinho enjaulado, a comunidade da cultura está se movimentando acerca do encaminhamento de ações populares, para combater a ilegalidade que cometeram no projeto aprovado, uma vez que o mesmo não previu a revogação da lei 2647/87, que criou a Franklin Cascaes. Somente com a revogação da mesma, poderiam ter destinado ao órgão de cultura do município um caminho diferente daquele que está previsto em seus estatutos. A ação popular é um remédio constitucional que dá a qualquer cidadão legitimidade para propor a anulação de ato lesivo ao patrimônio público, à moralidade administrativa e ao patrimônio histórico e cultural.
A luta pela autonomia da fundação de cultura, apesar de ser ideológica – pois parte da compreensão de que cultura não se basta no mercado –  é também dotada da ampla aquiescência acerca de uma proveitosa racionalidade administrativa. As fundações de cultura sempre apresentaram vantagens operativas diante de secretarias. Em todo o país, ações culturais operadas por prefeituras, quando surgiram de secretarias, ficaram paralisadas pela burocracia pesada e lenta. De direito público, a fundação funciona semelhante à autarquia, tendo corpo funcional concursado, autonomia financeira, orçamento próprio e requisitos peculiares de licitação. A geração de receitas próprias (concessão de espaços, recebimento de doações, venda de publicações, etc.), a realização de permutas e parcerias, e a facilidade de transitar no mercado de eventos e projetos, com mecanismos de captação de recursos junto à iniciativa privada e órgãos estatais, dão fôlego para a ampliação de atividades das fundações. Com hierarquia enxuta e simples, e o número de cargos de confiança reduzidos, o corpo técnico – também pequeno – é formado por agentes culturais, profissionais concursados geralmente especializados em política cultural.
 Sem dúvida nenhuma, a autonomia administrativa e financeira de uma fundação, e de amplo horizonte de articulação com as mais diversas áreas, evita a constituição de uma superestrutura pesada, como geralmente se verifica na organicidade das secretarias. Além disto, se a fundação cultural tiver à disposição mecanismos democráticos de gestão da política cultural, como um Conselho Municipal de Cultura, a entidade cria um vínculo societário extremamente forte, com projetos ramificados e duradouros, livres das incômodas e onerosas descontinuidades, tão comuns nas mudanças de governo.
São muitos os exemplos meritórios de fundação cultural com status de secretaria: Fundação Gregório de Matos (Salvador-BA); Fundação Cassiano Ricardo (São José dos Campos - SP); Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage (Juiz de Fora - MG); as fundações em Curitiba-PR e Jacareí-SP; e também em municípios catarinenses, como Blumenau, Joinville e Itajaí.
É bem verdade que a atual direção da Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes coleciona há quatro anos um conjunto de erros, antipatias e dissonâncias que prejudicam o setor. Não zela pelo patrimônio cultural, não estimula o resgate e a preservação, burocratiza o tratamento com as manifestações culturais tradicionais e desconhece as contemporâneas. Além disto, nada investe em pesquisas e muito menos em publicações. Enfim, o órgão está desconectado do ambiente cultural da cidade. Porém, as direções passam e as instituições continuam, e escrevo aqui em defesa do órgão de cultura do município, que muitos serviços já prestou.
Antes, na Setur, a cultura era uma prateleira de artesanato e folclore, recepcionista das demandas turísticas. Produzia roteiros turísticos e animava convenções, bancando a presença de rendeiras e outras atrações. Apresentações de bois de mamão em palco completavam o exótico cortejo para os nossos visitantes. Este é o modelo de cultura visto pelo turismo, que enclausura tudo na esfera do entretenimento, do espetáculo e do chamado folclore.
Estas ações fatalmente ignoravam a força diversificada do universo simbólico e imaginário, simplificando crenças e costumes, tudo em nome de uma necessidade turística. O conjunto de preocupações culturais era ditado pela demanda do olhar do cliente visitante, e não do cidadão habitante, habitualmente rotulado cordial, pacífico e hospitaleiro. E foi somente em 1987 que a capital de Santa Catarina começou a perceber um esboço de política cultural, quando surge a Fundação Franklin Cascaes, tirando da Setur esta periférica tarefa a serviço do turismo. Desconsiderar agora esta história de conquista, enquadrando a entidade às ações da Setur, num ato impensado e inconseqüente, é retroceder no tempo e no espaço, colidindo na contramão de todas as experiências que deram certo.
Em nenhum lugar do planeta o turismo conseguiu dar eficácia plena ao artigo 4º de seu Código Mundial de Ética, naquilo que tem de mais importante em relação ao assunto: a não provocação da padronização e empobrecimento da cultura. O turismo, quando tratado prioritariamente em relação à cultura – e na Setur foi e poderá voltar a ser – mercantiliza as culturas locais, destorcendo a identidade do habitante anfitrião.
Cultura, acima de tudo, é um direito social básico, um vetor de desenvolvimento econômico e de inclusão social. Portanto, o poder público municipal deve manter a autonomia da Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes, que deverá atuar de maneira decisiva na elaboração de ações culturais, sem interferir no processo criativo. Ao invés de incorporar fundações, a Setur deveria se empenhar ainda mais no aperfeiçoamento de articulações importantes com a afinada e tradicional parceria da dupla indústria e comércio, estas sim, áreas bastante afinadas com a indústria do turismo. Quem sabe até a Setur poderá fortalecer alternativas que cuidem da saúde de sua ameaçada "galinha dos ovos de ouro", que é o meio ambiente. O turismo deve experimentar parcerias com a cultura, mas – como reproduzimos na epígrafe – com uma cultura viva, praticada cotidianamente pela população e por seus produtores culturais, para então todos juntos cantarem e aplaudirem. 



A Cultura na Cidade: Propostas ao Plano de Governo para Florianópolis

 (Texto escrito por Murilo Silva, em 28/11/2003, quando era membro do gabinete do então deputado Afrânio Boppré, hoje vereador pelo PSOL, em Florianópolis/SC. Afrânio era candidato a prefeito pelo PT, e o presente documento serviu como base ao plano de governo.)




"A cultura hoje pode ser considerada o conjunto dos traços distintivos, espirituais e materiais, intelectuais e afetivos, que caracterizam a sociedade ou um grupo social. Além das artes e das letras, engloba modos de vida, os direitos fundamentais do ser humano, os sistemas de valores, as tradições e as crenças.”  Mondiacult 


Antes de comentar situações específicas e detalhar propostas para compor o programa de cultura do PT no município, apresentarei algumas considerações que julgo fundamentais para o discernimento do tema, localizando alguns obstáculos no caminho da concepção democrática de política cultural. Depois, ainda como contribuição geral, comentarei as três formas históricas de intervenções estatais em relação à cultura, referenciadas na tríade liberal, populista e neoliberal.

Política Cultural e Cultura Política 

Começarei apontando no interior do partido, invocando humildade e autocrítica, os erros cometidos quando tratamos do tema em questão. Precisamos, antes de tudo, promover o barulho da crítica rompedora da quietude angustiante  de uma “cultura política” partidária, persistente e prejudicial. A partir de um resgate da memória do partido, seja na lembrança das diversas discussões ocorridas, inclusive as mais recentes como a I Conferência Estadual de Cultura do PT em 05/10/2003, ou na leitura de textos editados por núcleos e militantes,  percebemos lucidez, pertinência e atualidade nas abordagens. Vamos nos conter num exemplo importante para materializar tal assertiva. 


Fonte de imagem: http://pt.dreamstime.com/





















Usualmente o PT, assim como a esquerda em geral, atenta para  questões de cultura somente em períodos eleitorais, utilizando-a como ferramenta do marketing político. Quando soam as trombetas anunciadoras dos debates e da mídia eletrônica, artistas militantes e/ou militantes artistas são recrutados para apresentar propostas estéticas que combinem com as mensagens éticas. A maioria destes recrutas, após as campanhas, exibe grande descontentamento, desvelando o mais puro sentimento realista de “bobo da corte”, pois é comum - após a vernisage  eleitoral - o PT demonstrar um inaceitável reducionismo no tratamento da cultura, na medida em que – além de esquecer dos antigos colaboradores (sendo governo ou não) – desconhece a amplitude e a importância que o tema representa na conquista de uma sociedade mais justa. E esta crítica não está voltada apenas às direções, mas a todos os atores que constroem tal cultura. Muitos artistas também cometem equívocos em suas posturas, contaminados por uma vaidade exagerada. A este respeito, o Núcleo Henfil de Cultura já abordava formalmente e, especialmente sobre os vaidosos da arte, sentenciava: “...não se pensam como trabalhadores culturais e sim como semideuses dedicados a uma tarefa que só foi reservada para seres especiais como eles.”  

Enquanto assistirmos a este processo no interior do partido, pouco faremos à cultura, que carece urgentemente de novas políticas públicas. Trata-se de uma relação construída pela concepção burguesa, expressa no tratamento da cultura presa à falácia conceitual do neoliberalismo, confinadora da diversidade cultural no campo restrito das belas artes e patrocinadora do conhecido binômio da sociedade de classes: trabalho intelectual x trabalho manual. Nas questões culturais, absolutizar qualquer um dos termos é também legitimar a perversa divisão. A concepção academicista de cultura, sustentada na exaltação da atividade intelectual, provoca a falsa dissociação entre o erudito e o popular. Sabe-se que  a fronteira é puramente ideológica encontrando seus marcos nas formas do acesso e não em uma determinada natureza distinta. Qualquer espiada na história faz lembrar que a denominada erudição do presente era no passado vivida como popular. Romper esta fictícia polarização é uma tarefa muito importante e por isso trabalhosa. É, certamente, uma missão revolucionária proporcionar o acesso aos bens culturais. Por outro lado, absolutizar a atividade manual é reproduzir a visão medíocre, sustentadora de um anti-intelectualismo desprovido de qualquer discernimento acerca da realidade complexa e consagradora do obreirismo ingênuo.  

A epígrafe do presente texto é uma reprodução do conceito de cultura consagrado na Conferência Mundial sobre Políticas Culturais (Mondiacult), promovido pela Unesco em 1982, no México. Nesta importante conferência as políticas culturais foram referenciadas por um conceito antropológico de cultura, nem sempre perseguido por órgãos da administração cultural, partidos políticos e artistas. É bastante corriqueiro o equívoco baseado no senso comum de que cultura é apenas arte e folclore, ignorando a força viva dos direitos humanos e do universo simbólico e imaginário, das crenças, dos costumes,  da transversalidade cultural na educação, nas ciências e na comunicação. Portanto, registro meu comprometimento com a amplitude e a diversidade do mundo da cultura, entrelaçado nas reflexões aqui apresentadas.    

O PT, como proponente de um novo país, precisa dialogar com o mundo da cultura a partir da matriz antropológica, livrando-se de armadilhas conceituais aprisionadoras  do potencial transformador e da rica diversidade cultural deste mundo. 
Assim, nosso grande desafio será a conjugação das políticas públicas de cultura com as políticas de governo afins e a sintonização com um Projeto Nacional que recupere a  auto-estima, provoque a ruptura com este verdadeiro apartheid cultural secular, conquistando com as populações marginalizadas o exercício de uma autêntica cidadania. Ou aprofundamos a necessidade premente da transformação cultural ou ficaremos paralisados para  qualquer tipo de transformação social.

Liberalismo, Populismo e Neoliberalismo: a salada cultural das elites

O Estado é promotor de uma política cultural liberal quando limita a incomensurável riqueza cultural ao campo das belas artes, limitando-a às atividades privadas, sem qualquer vínculo com o domínio público.  Quando enquadra a cultura popular nos ditames doutrinários da tarefa pedagógica e revolucionária, o Estado faz populismo, confundindo política cultural com cultura política. E, finalmente, a mais recente e problemática, quando limita as ações ao espectro da indústria cultural, reduzindo cultura ao entretenimento e ao espetáculo, ao caráter puramente mercantil e eventual. Aí nós temos o Estado neoliberal,  promotor do paulatino desaparecimento da diversidade cultural brasileira, homogeneizando e simplificando nosso variado e complexo quadro cultural, prisioneiro de uma “teia midiática” poderosa sustentada nas leis do mercado. 
A necessidade da implementação de uma concepção de cultura que, de fato, cause o inevitável rompimento com as políticas culturais tradicionais, exige o comprometimento com a construção de uma cidadania cultural. Conforme nossa ilustre militante, a filósofa Marilena Chauí "A democratização da cultura tem como precondição a idéia de que os bens culturais (...) são direito de todos e não privilégio de alguns. Democracia cultural significa direito de acesso e de fruição das obras culturais, direito à informação e à formação culturais, direito à produção cultural"  . 
Em consonância à interdependência cidadania/democracia, destacamos mais amiúde o que a companheira Marilena tão bem elucida. São três quesitos que ajudarão o partido a delinear esta nova relação entre Estado e cultura, de onde nossos compromissos encontrarão uma base real, construtora desta nova cidadania:
1º - A garantia de acessibilidades aos bens culturais (materiais e imateriais); aos meios de produção cultural; e aos meios de difusão da cultura; 
2º - A criação social  do imaginário, das obras de pensamento, garantindo o direito à memória e preservando a história artística, intelectual e política;
3º - A invenção de formas novas de comportamentos e expressão, como a assimilação de técnicas experimentais  na produção e na preservação de bens culturais.  
  Estes três quesitos só poderão ser contemplados integralmente nas políticas públicas se a cultura for  resgatada do fetichismo de mercado ao qual está engessada. Não poderá ser a lei da oferta e da procura - e tampouco as leis de incentivo fiscal - que determinarão o exercício da cidadania cultural. O automatismo do mercado não deve sobrepor-se à autonomia humana. Os recursos do Tesouro Nacional que compõem o orçamento do Ministério da Cultura, principalmente num Estado democrático e popular, de governo petista, não devem prevalecer-se das potencialidades do mercado para justificar minguadas dotações. Resultado do processo de uma diversidade infindável de criações, o patrimônio da cultura inclui o mercado cultural e não o contrário. As parcerias do Estado com a iniciativa privada podem continuar se efetuando para a viabilização de inúmeros projetos culturais, mas jamais para justificar a negligência no campo mais amplo da cultura, onde o mercado não é, e nem deve ser, a realidade.
  
 As políticas culturais em Florianópolis

A rápida e interrompida experiência da Frente Popular (1993-1996) na Fundação Cultural de Florianópolis - Franklin Cascaes , apesar de insuficiente, foi pioneira e deixou marcas. Quando lá chegamos, percebemos a inexistência de uma determinada forma de política cultural da instituição e a ausência de planejamento. Isto não significava que a mesma estivesse sem política. Aliás, seu conteúdo era justamente a ausência de qualquer compromisso discutido e planejado. Inicialmente, percebemos a urgente necessidade da definição de uma política que removesse obstáculos e abrisse caminho para a mudança, rumo a construção de uma nova relação com a cidade. A Comissão de Cultura da Frente Popular, então coordenada pelo sociólogo e funcionário da Fundação Franklin Cascaes, João Carlos Silveira de Souza, publicou um extenso documento em que uma das principais preocupações girava em torno da questão levantada: “Uma vez que a política cultural do Município não existe sob forma escrita, sua primeira reforma consiste precisamente em escrevê-la. E escrevê-la implica modificá-la. A mínima coerência formal de um documento colidirá necessariamente com a amorfia e com a descontinuidade da ação institucional. Uma política formalmente definida tenderá a instituir o voluntarismo pelo trabalho planejado e a multiplicidade de tarefas independentes umas das outras pela atividade articulada e permanente; tende a ultrapassar o evento, visto como um valor em si, inscrevendo-o em programas mais abrangentes; tende a superar a mera criação de oportunidades de lazer, instituindo projetos didáticos-culturais.” .  

 Se não avançamos tanto quanto queríamos, pelo menos rompemos em pouco tempo com a inércia instalada por administrações anteriores, promotoras de uma política cultural nitidamente populista e autoritária. Os ditames das administrações oligárquicas antecessoras impuseram práticas clientelistas, atendendo exclusivamente demandas de um turismo produtor e espectador  de exotismos, que resumiu a diversidade cultural ao palco do folclore. Com um orçamento insuficiente (0,25%) e instalações físicas inadequadas, a Fundação Franklin Cascaes, após livrar-se do insalubre e distante prédio da Susp, inovou realizando inúmeras parcerias com empresas públicas e privadas. Com o prestígio do jornalista e escritor Salim Miguel, então superintendente da Fundação, aliado a força de vontade da equipe, conseguiu-se apresentar à cidade um calendário de eventos que jamais poderiam ter acontecido se dependessem exclusivamente da medíocre rubrica orçamentária: Concursos Literários; Festivais Nacionais de Teatro Isnard Azevedo; Maratonas Fotográficas; Festivais Nacionais de Folclore; Seminários de Música (com entradas francas e concertos nas ruas); Concursos de Artes Plásticas e Encontros de Dança. Assim, outros projetos sem a característica efêmera, vertical e impactante dos eventos, apesar de carecerem de maior apoio político, foram realizados no âmbito da dependência exclusiva dos recursos da instituição, como as “Oficinas de Arte-Educação nas Comunidades”, que  envolveram crianças na sua maioria carentes, ou ainda a formalização do convênio da Orquestra Municipal de Florianópolis, que possibilitou inúmeras apresentações gratuitas e audições didáticas em diversas escolas do município.  A idéia da realização de eventos alavancados pelo marketing cultural, partiu da preocupação com a garantia da execução de outros projetos exclusivamente com verba pública,considerados pertencentes à cota obrigatória do órgão da cultura, pois abrangeriam atividades de arte-educação; de resgate da memória cultural (material e imaterial); de criação social do imaginário; preservação da história artística, intelectual e política, e a fruição (pela população) de linguagens artísticas equivocadamente classificadas de eruditas. 

No presente, a Franklin Cascaes atua limitada por uma concepção que combina a mencionada tríade elitista, especialmente a neoliberal. O governo de Ângela Amin, de herança clientelista e autoritária, aprofundou o caráter promotor de eventos da instituição e aumentou  sua relação elitista com a cidade.  Atualmente, a Franklin Cascaes investe na profissionalização de eventos e reforça mais ainda sua vinculação com o turismo. Dentre os inúmeros projetos de eventos em execução, a maioria criados na gestão da Frente Popular, podemos citar dois deles: Encontro das Nações (que substituiu o então Encontro Nacional do Folclore) e o Festival Nacional de Teatro de Florianópolis Isnard Azevedo. O primeiro, recebeu o “Prêmio CAIO”  na categoria Evento Social, o que atesta uma obsessão pelo mercado de feiras de negócios, e o segundo não solidificou qualquer vínculo com a produção local de teatro que se encontra no completo e agonizante abandono. Além da continuidade dos eventos que tiveram início em 1993, a Fundação Franklin Cascaes assumiu a realização de diversas festas, todas com superfaturamentos, como as natalinas , a  Fenaostra, a Festa da Farinha e a tão falada Festa da Tainha .

Enfim, a tarefa primordial em Florianópolis será a construção de uma nova cidade. E isto jamais será alcançado se a questão cultural não for incluída como ingrediente básico para o desenvolvimento social. Perguntaria algum simplório, insensível ou cínico: desenvolvimento social? Mas que pobreza poderá a cultura acabar? Como resposta eu devolveria as perguntas feitas pelo companheiro poeta e pensador da cultura, Hamilton Faria: “...como criar igualdade social se os valores negros são considerados culturalmente inferiores (...) Como equilibrar relações econômicas, no plano global, se sofremos de uma enorme síndrome de inferioridade cultural, quando desvalorizamo-nos  e mitificamos o primeiro mundo, colocando-o como o nosso futuro? Haverá maior pobreza do que esta? E isto não é cultural?” .  O PT municipal tem o dever de apresentar propostas de políticas públicas que representem a construção de uma outra relação com a cultura, que o governo da Frente Popular (1993-1996) apenas esboçou. Portanto, a discussão de um projeto cultural que integrará o Plano de Governo para o município, deverá discutir exaustivamente a delicada relação entre Estado e cultura, devendo romper definitivamente com as políticas culturais tradicionais elaboradas no âmbito estatal brasileiro, especialmente às que se perpetuaram entrelaçadas na cidade.
  




Propostas ao Programa de Cultura

Considerando a seriedade das questões aqui levantadas e a esperança de que deixarão de ser utopia, apresento o maior desiderato: 

A GARANTIA DE MAIS RECURSOS  PARA A CULTURA NO ORÇAMENTO  DO MUNICÍPIO ( HOJE SOMENTE 0,25%)  POR MEIO DO COMPROMISSO 
DE AUMENTO GRADUAL CHEGANDO A 1%. 

1 -Elaboração de um Plano Municipal de Cultura a partir da  I Conferência Municipal de Cultura, precedida por etapas em bairros de maior densidade, comunidades do interior da ilha, da periferia do continente e do maciço do Morro da Cruz, assim como entre produtores das mais diversas linguagens artísticas, para a discussão de políticas que contemplem a diversidade e pluralidade cultural, localizando demandas excluídas, e oportunizando a produção e fruição de atividades artísticas;
2 -Desvinculação da FCFFC (Fundação Cultural de Florianópolis - Franklin Cascaes) da Setur (Secretaria Municipal de Turismo, Cultura e Esporte de Florianópolis);
3 -Desvinculação do Sephan (Serviço do Patrimônio Histórico Artístico e Natural do Município) ao Ipuf (Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis) e sua definitiva incorporação à FCFFC;
4 - Interação permanente das ações culturais da FCFFC com a Secretaria Municipal de Educação, Floram (Fundação Municipal do Meio Ambiente), Ipuf, Arquivo Histórico do Município e, eventualmente, com a Setur.
5 - Realização de um mapeamento cultural de Florianópolis (pesquisa e documentação) articulada com a Secretaria de Educação, a partir de convênios com universidades públicas e particulares, contemplando a dimensão imaterial do patrimônio cultural do município (costumes, imaginário, artesanato, manifestações populares, culinária, crenças religiosas etc ), buscando  a preservação e a divulgação entre  moradores e visitantes;
6 – Criação de uma política de desenvolvimento de recursos humanos instituindo o quadro próprio de pessoal da FCFFC, visando o fortalecimento de sua equipe técnica;    
7 - Potencialização da Região Metropolitana, visando a minimização de custos e o incremento de projetos intermunicipais,  trabalhando de forma articulada com os municípios conurbados (São José, Palhoça, Biguaçu);
8 - Adequação de parques, praças e vias de circulação, com múltiplos usos, qualificando-os como espaços lúdicos, dentro da perspectiva de humanização dos centros urbanos, além de melhor aproveitamento do Vão Central do Mercado Público “Luis Henrique Rosa”, da Escadaria do Rosário e do Largo da Alfândega;
9 - Estabelecimento de parcerias com associações comunitárias, instituições de ensino superior e empresas privadas, para a criação de uma TV e uma rádio comunitária com caráter exclusivamente pedagógico e cultural;   
10 - Reedição do “Folha da Cultura”, com periodicidade quinzenal, como um meio de informação da Fundação e canal de expressão do movimento cultural.
11 - Criação de um Programa Municipal de Informação para a Cidadania;  
12 - Promoção de intercâmbios culturais entre municípios catarinenses, países e regiões de origem dos imigrantes que compuseram as primeiras populações colonizadoras;
13 - Ampliação das “Oficinas de Arte-Educação” permanentes, abrangendo as comunidades do maciço do Morro da Cruz, do continente e  do interior da ilha, e criação das itinerantes.   
14 - Atualização do acervo da biblioteca pública Barreiros Filho e sua revitalização como espaço cultural;
15 - Apoio e estímulo a programas e ações antidiscriminatórias, ampliando espaço para a plena cidadania do povo negro;
16 - Realização de atividades em parceria com Secretaria Nacional da Pesca que contribuam para a sustentabilidade cultural das comunidades pesqueiras;
17 - Elaboração e implementação, com profissionais e associações especializadas, de programas para a integração dos portadores de deficiência física, mental, sensorial e múltipla, aos processos culturais no município; 
18 - Municipalização dos teatros Álvaro de Carvalho e Ademir Rosa,
19 - Projeções de filmes ao ar livre (paredes, muros e telas) reeditando o projeto “Cinema Paraíso”;
20 – Execução do  cumprimento da Lei 2639, de  20.07.87, que   criou o Conselho Municipal de Cultura de Florianópolis, jamais constituído;  
21 – Estímulo a criação de “Centros Culturais” em lugares públicos, como templos religiosos, bibliotecas, entidades comunitárias e escolas;
21 – Incentivar o aperfeiçoamento de leis de incentivo cultural no município;
22 – Formatar e gerar rede de informações culturais ligadas à internet ou RNP.


Florianópolis, 28 de novembro de 2003.



Murilo Silva,   militante petista,  filósofo, professor,   ex- assessor de marketing cultural
da Fundação Franklin Cascaes (1993-1996).